Tua Medida
“Não
julgueis, afim de que não sejais julgados, porque vós sereis julgados segundo
houverdes julgado os outros, e se servirá para convosco da mesma medida da qual
vos servistes para com eles.”
(Capítulo 10, item 11)*
Toda opinião ou
juízo que desenvolvemos no presente está intimamente ligado a fatos
antecedentes.
Quase sempre, todos estamos vinculados a
fatores de situações pretéritas, que incluem atitudes de defesa, negações ou
mesmo inúmeras distorções de certos aspectos importantes da vida. Tendências ou
pensamentos julgadores estão sedimentados em nossa memória profunda, são
subprodutos de uma série de conhecimentos que adquirimos na idade infantil e
também através das vivências pregressas.
Censuras, observações, admoestações,
superstições, preconceitos, opiniões, informações e influências do meio,
inclusive de instituições diversas, formaram em nós um tipo de “reservatório
moral” - coleção de regras e preceitos a ser rigorosamente cumpridos -, do
qual nos servimos para concluir e catalogar as atitudes em boas ou más.
Nossa concepção ético-moral está baseada
na noção adquirida em nossas experiências domésticas, sociais e religiosas, das
quais nos servimos para emitir opiniões ou pontos de vista, a fim de
harmonizarmos e resguardarmos tudo aquilo em que acreditamos como sendo
“verdades absolutas”. Em outras palavras, como forma de defender e proteger
nossos “valores sagrados”, isto é, nossas aquisições mais fortes e poderosas,
que nos servem como forma de sustentação.
Em razão
disso, os freqüentes julgamentos que fazemos em relação às outras pessoas nos
informam sobre tudo aquilo que temos por dentro. Explicando melhor, a “forma” e
o “material” utilizados para sentenciar os outros residem dentro de nós.
Melhor do
que medir ou apontar o comportamento de alguém seria tomarmos a decisão de
visualizar bem fundo nossa intimidade, e nos perguntarmos onde está tudo isso em nós. Os indivíduos podem
ser considerados, nesses casos, excelente espelho, no qual veremos quem somos
realmente. Ao mesmo tempo, teremos uma ótima oportunidade de nos transformar
intimamente, pois estaremos analisando as características gerais de nossos
conceitos e atitudes inadequados.
Só
poderemos nos reabilitar ou reformar até onde conseguimos nos perceber; ou
seja, aquilo que não está consciente em nós dificilmente conseguiremos reparar
ou modificar.
Quando
não enxergamos a nós mesmos, nossos comportamentos perante os outros não são
totalmente livres para que possamos fazer escolhas ou emitir opiniões. Estamos
amarrados a formas de avaliação, estruturadas nos mecanismos de defesa -
processos mentais inconscientes que possibilitam ao indivíduo manter sua
integridade psicológica através de uma forma de “auto-engano.”
Certas
pessoas, simplesmente por não conseguirem conviver com a verdade, tentam
sufocar ou enclausurar seus sentimentos e emoções, disfarçando-os no
inconsciente.
Em todo
comportamento humano existe uma lógica, isto é, uma maneira particular de
raciocinar sobre sua verdade; portanto, julgar, medir e sentenciar os outros,
não se levando em conta suas realidades, mesmo sendo consideradas preconceituosas,
neuróticas ou psicóticas, é não ter bom senso ou racionalidade, pois na vida
somente é válido e possível o “autojulgamento”.
Não
obstante, cada ser humano descobre suas próprias formas de encarar a vida e
tende a usar suas oportunidades vivenciais, para tornar-se tudo aquilo que o
leva a ser um “eu individualizado”.
Devemos
reavaliar nossas idéias retrógradas, que estreitam nossa personalidade, e, a
partir daí, julgar os indivíduos de forma não generalizada, apreciando suas
singularidades, pois cada pessoa tem uma consciência própria e diversificada
das outras tantas consciências.
Julgar
uma ação é diferente de julgar a criatura. Posso julgar e considerar a
prostituição moralmente errada, mas não posso e não devo julgar a pessoa
prostituída. Ao usarmos da empatia, colocando-nos no lugar do outro, “sentindo
e pensando com ele”, em vez de “pensar a respeito dele”, teremos o
comportamento ideal diante dos atos e atitudes das pessoas.
Segundo
Paulo de Tarso, “é indesculpável o homem, quem quer que seja, que se arvora em
ser juiz. Porque julgando os outros, ele condena a si mesmo, pois praticará as
mesmas coisas, atraindo-as para si, com seu julgamento”. (1)
O
“Apóstolo dos Gentios” manifesta-se claramente, evidenciando nessa afirmativa
que todo comportamento julgador estará, na realidade, estabelecendo não somente
uma sentença, ou um veredicto, mas, ao mesmo tempo, um juízo, um valor, um peso
e uma medida de como julgaremos a nós mesmos.
Essencialmente,
tudo aquilo que decretamos ou sentenciamos tornar-se-á nossa “real medida”:
como iremos viver com nós mesmos e com os outros.
O ser humano é um
verdadeiro campo magnético, atraindo pessoas e situações, as quais se
sintonizam amorosamente com seu mundo mental, ou mesmo de forma antipática com
sua maneira de ser. Dessa forma, nossas afirmações prescreverão as águas por
onde a embarcação de nossa vida deverá navegar.
Com freqüência,
escolhemos, avaliamos e emitimos opiniões e, conseqüentemente, atraímos tudo
aquilo que irradiamos. A psicologia diz que uma parte considerável desses
pensamentos e experiências, os quais usamos para julgar e emitir pareceres,
acontece de modo automático, ou seja, através de mecanismos não perceptíveis.
É quase inconsciente para a nossa casa mental o que escolhemos ou opinamos,
pois, sem nos dar conta, acreditamos estar usando o nosso “arbítrio”, mas, na
verdade, estamos optando por um julgamento predeterminado e estabelecido por
“arquivos que registram tudo o que nos ensinaram a respeito do que deveríamos
fazer ou não, sobre tudo que é errado ou certo.
Poder-se-á dizer
que um comportamento é completamente livre para eleger um conceito eficaz
somente quando as decisões não estão confinadas a padrões mentais rígidos e
inflexíveis, não estão estruturadas em conceitos preconceituosos e não estão
alicerçadas em idéias ou situações semelhantes que foram vivenciadas no
passado.
Nossos
julgamentos serão sempre os motivos de nossa liberdade ou de nossa prisão no
processo de desenvolvimento e crescimento espiritual.
Se criaturas
afirmarem “idosos não têm direito ao amor”, limitando o romance só para os
jovens, elas estarão condenando-se a uma velhice de descontentamento e solidão
afetiva, desprovida de vitalidade.
Se
pessoas declararem “homossexualidade é abominável” e, ao longo do tempo, se confrontarem
com filhos, netos, parentes e amigos que têm algum impulso homossexual, suas
medidas estarão estabelecidas pelo ódio e pela repugnância a esses mesmos entes
queridos.
Se
indivíduos decretarem ‘jovens não casam com idosos”, estarão circunscrevendo as
afinidades espirituais a faixas etárias e demarcando suas afetividades a
padrões bem estreitos e apertados quanto a seus relacionamentos.
Se alguém
subestimar e ironizar “o desajuste emocional dos outros”, poderá, em breve
tempo, deparar-se em sua própria existência com perplexidades emocionais ou
dilemas mentais que o farão esconder-se, a fim de não ser ridicularizado e
inferiorizado, como julgou os outros anteriormente.
Se formos
juízes da “moral ideológica” e “sentimental”, sentenciando veementemente o que
consideramos como “erros alheios”, estaremos nos condenando ao isolamento
intelectual, bem como ao afetivo, pela própria detenção que impusemos aos
outros, por não deixarmos que eles se lançassem a novas idéias e novas
simpatias.
“Não
julgueis, a fim de que não sejais julgados”, ou mesmo, “se servirá para
convosco da mesma medida da qual vos servistes para com eles”, quer dizer,
alertemo-nos quanto a tudo aquilo que afirmamos julgando, pois no “auditório da
vida” todos somos “atores” e “escritores” e, ao mesmo tempo, “ouvintes” e
“espectadores” de nossos próprios discursos, feitos e atitudes.
Para
sermos livres realmente e para nos movermos em qualquer direção com vista à
nossa evolução e crescimento como seres eternos, é necessário observarmos e
concatenarmos nossos “pesos” e “medidas”, a fim de que não venhamos a sofrer
constrangimento pela conduta infeliz que adotarmos na vida em forma de censuras
e condenações diversas.
* A presente citação e todas as demais que iniciam cada capítulo foram
extraídas de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. (Nota do
autor espiritual.)
(1) Romanos, 2:1
Renovando Atitudes
Médium Francisco do Espírito S.Neto
Espírito Hammed
Capítulo 10, item 11
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