Dialogo com as Sombras 2ª PARTE - (21) MAGOS E FEITICEIROS
21 - MAGOS
E FEITICEIROS
Os
trabalhadores da desobsessão não devem ignorar a realidade da magia negra, a
fim de não serem tomados de surpresa nas suas tarefas redentoras. Com
freqüência, terão oportunidade de observar tentativas de envolvimento do grupo
e de seus componentes, ou de pessoas que dele se socorrem, promovidas por antigos
magos e feiticeiros que, no mundo espiritual, persistem nas suas práticas e
rituais.
Extremamente
complexo e delicado, especialmente porque éescassa, nesse particular, a
literatura doutrinária de confiança existente, o assunto precisa ser abordado
com muita prudência e lucidez.
O tema
não ficou indiferente a Kardec, como podemos verificar do exame das questões
números 551 a
557, de “O Livro dos Espíritos”, sob o título “Poder oculto. Talismãs.
Feiticeiros”. Os Instrutores do eminente Codificador colocaram a questão
naquele clima de prudência e lucidez de que há pouco falávamos. Obviamente, a
época não estava madura para o aprofundamento do problema, nem seria isto
apropriado no livro básico da Doutrina Espírita, cujo escopo era o de entregar
aos homens uma síntese didática acerca do Espírito e suas manifestações, do seu
relacionamento com Deus e com o Universo. Disseram, porém, o suficiente para
formular-se um juízo sobre a matéria, levando em conta as superstições que
prevaleciam àquele tempo.
Foram
muito sóbrios os Espíritos, limitando-se a respostas sumárias que, não
obstante, deixaram aberturas para futuros desdobramentos. Ensinaram, por
exemplo, que um “homem mau” não poderia, “com o auxílio de um mau Espírito que
lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo”, porque “Deus não o permitiria”.
A
despeito da notável economia de palavras, o pensamento contido nesse período é,
ao mesmo tempo, amplo e exato. Naquilo que Deus não o permite, realmente, nada
podem fazer os Espíritos ainda voltados para o mal — e essa é a nossa
proteção, pois o que seria de nós se tudo lhes fosse permitido? Quando, porém,
nos credenciamos a esse amparo? Talvez seja melhor reformular a questão: Quando
nos tornamos vulneráveis e, portanto, expostos àcobrança? A partir do momento
em que nos atritamos com as leis divinas, colocando-nos, portanto, não fora de
sua proteção, não abandonados por Deus, mas submetidos às conseqüências de
nossas próprias ações. É assim que um Espírito faltoso coloca-se, por exemplo,
ao alcance de dores inomináveis, como a da obsessão. Realmente, seria
desastroso que qualquer Espírito desajustado pudesse fazer conosco o que bem
entendesse, mas estejamos certos de que, ao cometer nossos desatinos, abrimos a
eles as portas da nossa intimidade. O próprio Cristo advertiu-nos de que, se
não nos reconciliássemos com os nossos adversários, eles nos levariam ao juiz,
e o juiz nos mandaria à prisão, donde somente seríamos liberados depois de
cumprida toda a pena, até o último centavo.
Quanto à
crença no poder de enfeitiçar, os Espíritos foram cautelosos, declarando que
tais fatos são naturais, mal observados e, sobretudo, mal compreendidos, mas
que “algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau
uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna serem
secundados por outros Espíritos maus”.
Sobre as
fórmulas, esclarecem que todas são mera charlatanaria, e prosseguem:
“Não há
palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, que tenha
qualquer ação sobre os Espíritos, porqüanto estes só são atraidos pelo
pensamento e não pelas coisas materiais.”
Kardec,
no entanto, insistiu, com a pergunta 554, assim formulada:
“Não pode
aquele que, com ou sem razão, confia no que chama a virtude de um talismã,
atrair um Espírito, por efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que
atua é o pensamento, não passando o talismã de um sinal que apenas lhe auxilia
a concentração?”
“É
verdade — respondem os Espíritos —; mas, da pureza da intenção e da elevação
dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é atraído.” (Destaques
meus.)
Do que se
depreende que o talismã, em si, nada vale, mas funciona como uma espécie de
condensador de energias psíquicas emanadas do operador que, pelo pensamento,
atrai os seres desencarnados que lhe são afins.
Realmente,
como muito bem observa Kardec, em nota de sua autoria, em seguida à Questão
número 555, “O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de
fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um sem-número de fábulas, em que os
fatos se apresentam exagerados pela imaginação.”
Lamentavelmente
não temos ainda um estudo aprofundado dessa curiosa temática, mas é certo que o
Espiritismo tem condições para desmistificar muito da complicada e, às vezes, ingênua
ritualística da magia, retirando-lhe a aura de mistério e ocultismo, para explicá-la
em termos de conhecimento científico, aberto, racional, dentro do contexto das
leis naturais. O Espiritismo não ignora o fenômeno, nem o nega, como vimos. A
Doutrina empenha-se em negar é o caráter sobrenatural que alguns procuram
atribuir aos fenômenos, bem como as inúteis complicações dos ritos, fórmulas,
invocações, posturas, símbolos, apetrechos e instrumentos de que se valem os
operadores, que não passam de médiuns agindo em consonância com seus
companheiros desencarnados.
Sobre a
influência dos astros, por exemplo, ensina Emmanuel (1) que:
— “As antigas assertivas astrológicas têm a sua
razão de ser. O campo magnético e as conjunções dos planetas influenciam no
complexo celular do homem físico, em sua formação orgânica e em seu nascimento
na Terra; porém, a existência planetária é sinônimo de luta. Se as influências
astrais não favorecem a determinadas criaturas, urge que estas lutem contra os
elementos perturbadores, porque, acima de todas as verdades astrológicas,
temos o Evangelho, e o Evangelho nos ensina que cada qual receberá por suas
obras, achando-se cada homem sob as influências que merece.” (Destaques meus.)
Dentro
dessa mesma linha de pensamento, reconhece, o esclarecido mentor, as
influências que podem exercer, sobre Espíritos encarnados ou desencarnados, os
nomes que recebem, por causa da “simbologia sagrada das palavras”. Também os
números “possuem a sua mística natural”, segundo suas vibrações. Os próprios
objetos armazenam energias que ainda não estão bem definidas para nós.
— “Os objetos — responde Emmanuel à questão
número 143 —, mormente os de uso
pessoal, têm a sua história viva e, por vezes, podem constituir o ponto de
atenção das entidades perturbadas, de seus antigos possuidores no mundo; razão
por que parecem tocados, por vezes, de singulares influências ocultas, porém,
nosso esforço deve ser o da libertação espiritual, sendo indispensável
lutarmos contra os fetiches, para considerar tão-somente os valores morais do
homem na sua jornada para o Perfeito.” (Destaques meus.)
O assunto mereceu também observações, ainda que
sumãrias, de André Luiz, em “Evolução em dois Mundos ” — livro que talvez ainda levemos
meio século para desdobrar em todas as suas implicações. Diz o autor
espiritual que, a certo ponto da história evolutiva...
(1) “O Consolador”, questão numero 140.
- ...
“Iniciou-se o correio entre o plano físico e o plano extrafísico, mas, porque
a ignorância embotasse ainda a mente humana, os médiuns primitivos nada mais
puderam realizar que a fascinação recíproca, ou magia elementar, em que os
desencarnados, igualmente inferiores, eram aproveitados, por via magnética, na
execução de atividades materialonas, sem qualquer alicerce na sublimação
pessoal.”
E
prossegue:
—
“Apareceu então a goecia ou magia negra, à qual as inteligências superiores
opuseram a religião por magia divina, acentuando-se a formação da mitologia em
todos os setores da vida tribal.”
“A luta
entre os Espíritos retardados na sombra e os aspirantes da luz encontrou
seguro apoio nas almas encarnadas que lhes eram irmãs. Desde essas eras
recuadas, empenham-se o bem e o mal em tremendo conflito que ainda está muito
longe de terminar, com base na mediunidade consciente ou inconsciente, técnica
ou empírica.”
Essa
digressão introdutória tornou-se indispensável para que a nossa penetração no
lusco-fusco da magia conte com um suporte de bom senso e racionalismo, a
funcionar como fio de Ariadne, que nos permita transitar pelos seus meandros,
sem o menor temor de perder o caminho de volta.
Não resta
dúvida de que os fenômenos elementares de magia reportam-se às eras primitivas,
como nos assegura André Luiz. Embora os autores especializados procurem
distinguir magia de feitiçaria — e ainda veremos isto um pouco adiante — a Enciclopédia
Britânica lembra que o termo inglês para esta última — “witchcraft” — quer
dizer a arte ou ofício do sábio, de vez que a raiz semântica da primeira seção
da palavra — “witch” — está associada com a palavra “wit”, saber.
Realmente,
os magos, originários, segundo Lewis Spence (1), da antiga Pérsia, eram
cultores da sabedoria de Zoroastro. Possivelmente da raça média, adquiriram
enorme prestígio, especialmente,
(1) “An
Encyclopaedia of Occultism”, University Books, New York, 1960.
ao que parece,
depois que Ciro os institucionalizou, ao fundar o império persa, sobre o qual
exerceram considerável influência político-religiosa. É evidente que esse
prestígio tinha que ser alicerçado em rico acervo de conhecimentos, pois o
homem sempre respeita e, às vezes, teme aquele que sabe.
“Religião,
filosofia e ciência — escreve Spence — estavam todas em suas mãos. Eram médicos
universais que curavam os doentes do corpo e do espírito e em estrita consistência
com essas características, socorriam as mazelas do Estado que é apenas o homem
em sentido mais amplo.”
Distribuíram-se
em três graus: os discípulos, os professores e os mestres, o que vale dizer que
o conhecimento de que dispunham os grandes mestres era ministrado por
processos iniciáticos, à medida que o discípulo revelava condições de
absorvê-lo e aplicá-lo rigorosamente, segundo os métodos e interesses da
Ordem.
A
organização correspondeu generosamente ao apoio que recebeu de Círo, muito contribuindo,
com seus recursos, para consolidação das conquistas do rei persa, mas, por
volta do ano 500 antes do Cristo, entrou em desagregação, especialmente por
causa da tenaz perseguição de Dario Histaspes. Emigrações em massa espalharam-nos
pela Capadócia e pela Índia, mas ainda eram uma força respeitável ao tempo de
Alexandre, o Grande (356-323 a .
C.) que, segundo Spence, sentiu-se enciumado de seus poderes.
São
profundas as implicações da magia em alguns cultos religiosos, mais
intensamente, é claro, nos primitivos, tanto quanto na medicina, na astrologia,
no magnetismo, na alquimia e em certas correntes místicas que prevalecem até
hoje.
Lewis
Spence declara, no seu erudito verbete, que, a seu ver, misticismo e magnetismo
são idênticos para alguns ocultistas, entre os quais cita, em tempos recentes,
Auguste Comte, o Barão du Potet e o Barão de Guldenstubbé, este último autor do
livro “La Realité
des Esprits”, publicado em 1857. (1)
Sir James
Frazer (2) considera magia e religião uma só coisa, tão identificadas se acham
entre si. Isto é provavelmente verdadeiro
(1) Ver o artigo
“O Tempo, o preconceito e a humildade”, em “Reformador”, agosto/1975.
(2) “The Golden Bough”, MacMilian, New
York, 1951, eruditíssimo tratado sobre magia e religião que, mesmo em forma
condensada, apresenta-Se com 827 páginas de texto. A obra completa consta de 12
volumes.
para as
primitivas crenças, mas não para as religiões mais recentes, que embora
conservem sinais exteriores dos antigos cultos — simbolos, ritos, fórmulas,
encantações —, perderam contacto com os seus aspectos esotéricos.
Um
conceito reproduzido por Spence informa-nos que o apelo aos deuses constitui
prática religiosa, enquanto a prática da magia tenta forçá-los à complacência.
A religião é freqüentemente oficial e quase sempre organizada, enquanto a magia
é, usualmente, proibida e secreta.
Embora
Spence nos fale da magia na Pérsia, sabemos que ela floresceu amplamente no
Egito, muito antes da época citada na sua obra. Os livros mediúnicos de
Rochester, vários deles publicados pela FEB, narram, com minúcias de extremo
realismo, processos terríveis de magia e ocultismo, como em “O Chanceler de
Ferro” e “Romance de uma Rainha”.
O segundo livro do Antigo Testamento — o Êxodo —
especialmente nos capítulos de números 5 a 13, narra o duelo entre os magos egípcios e
hebreus, ante a aturdida expectativa de todo o país.
Já antes
disso, no capítulo 4, os guias espirituais de Moisés conferem-lhe poderes
ostensivos, pois certamente ele deveria conhecer bastante acerca dos rituais e
da teoria que os sustentava.
O Espírito que se apresenta como Jeová ordena que
conduza o povo hebreu para fora do Egito, mas Moisés revela sua impotência em
convencer sua gente a segui-lo.
— Não acreditarão em mim — diz ele — nem ouvirão
a minha voz, pois dirão: Jeová não te apareceu coisa alguma.
— Que tens tu na mão? — pergunta-lhe Jeová.
— Um cajado.
— Atira-o ao chão.
Mal
atirado ao solo, o cajado transformou-se numa serpente. Ante o temor de Moisés,
o Espírito disse-lhe que a agarrasse pelo pescoço, o que ele fez, voltando a
serpente a ser um mero cajado.
Essa
mesma “mágica”, no melhor sentido da palavra, Moisés faria diante do Faraó e
sua corte.
Segundo
Will Durant (1), a crença na feitiçaria, na Idade Média, era praticamente
universal. “O Livro da Penitência”, do Bispo de
(1) “The
Age of Falth”, Simon and Schuster, New York, 1950.
Exeter, condena
as mulheres “que professam a faculdade de modificar a mente dos homens pela
feitiçaria, ou encantamento, como do ódio para o amor ou do amor para o ódio,
bem como enfeitiçar ou roubar os bens dos homens”, ou ainda as que declaram
“cavalgar durante certas noites certos animais, com um bando de demônios em
formas femininas, ou estarem em companhia de tais”.
Quando a
Igreja resolveu entrar em cena para coibir a prática, criou-se um clima de
terror que, ao mesmo tempo em que combatia as crendices, parecia atribuir-lhes
certa substância, que mais as autenticavam na imaginação do povo inculto,
porque ninguém combate aquilo que não teme. As conseqüências dessas impiedosas
perseguições foram danosas e lamentáveis para o entendimento do fenômeno
mediúnico, e é bem provável que a notícia que os Espíritos superiores vieram
trazer a Kardec, no século 19 pudesse ter sido antecipada de um século ou mais,
se em vez de queimar os médiuns medievais, sob a acusação de que mantinham
pactos com o demônio, procurassem estudá-los com respeito e interesse. A
despeito disso, não foram poucos os prelados católicos que, durante toda a
existência, mantiveram cultos paralelos de magia negra, com os seus estranhos
rituais.
Ao
escrevermos este livro, o mundo moderno assiste, algo perplexo, a um
fantástico ressurgimento da magia negra e da feitiçaria, por toda parte e,
desta vez, não nos países menos desenvolvidos, ou primitivos, e sim nos de
mais avançada tecnologia e mais sofisticada cultura, como a Inglaterra, os
Estados Unidos, a França, a Itália.
A
Britânica, tanto quanto Sir James Frazer, atribui à magia origens nitidamente
religiosas, sob a forma de cultos à base de animais sacrificados. Oferendas de
sangue e de estranhas substâncias eram feitas para propiciar os deuses em
troca de favores, fosse em benefício de alguém ou com a intenção de destruí-lo.
Entre os
ritos destinados a destruir um inimigo, por exemplo, o mais antigo, dramático e
conhecido, consiste em modelar uma pequena estátua representativa da vítima,
geralmente em cera, e, com os métodos apropriados, espetá-lo com agulhas e
punhais.
Seria
impraticável, num resumo como este, repassar todo o campo da magia e empreender
sua avaliação em termos de Doutrina Espírita; poderemos, não obstante, tentar
oferecer algumas noções colhidas em alentados livros, facilmente encontráveis
no mercado, praticamente em todas as línguas vivas.
Um desses
autores é o médico francês, Dr. Gérard Encausse, contemporâneo de Allan Kardec,
que, sob o pseudônimo de Papus, escreveu abundantemente sobre o assunto. Seu
filho, o Dr. Philippe Encausse, também médico, revelou igual interesse pela matéria,
produzindo algumas obras sobre o assunto, como “Sciences Occultes et
Déséquilibre Mental”.
Colheremos
algumas informações na obra de Papus intitulada “Tratado Elementar de Magia
Prática”. (1)
Antes de
mergulharmos no seu livro, creio útil transmitir ao leitor espírita uma idéia
da posição de Papus em relação ao
Espiritismo:
“Existe,
não obstante — escreve ele, à página 11 de seu livro —, uma forma de
experiências mágicas próprias para as pessoas pusilânimes, e que aconselharemos
a quantas desejarem divertir-se, dedicando, à sobremesa, alguns momentos aos
fenômenos de espiritismo. Nada têm de difíceis e sim muito consoladores, e,
afinal de contas, situam-se a tal distância da verdadeira magia, que não há a
temer nenhum acidente sério, desde que não se esqueça da precaução de deixar as
coisas no momento oportuno.”
Ao
apreciar alguns aspectos da magia, da qual o Dr. Encausse é admirador ardoroso,
tentemos não ser tão radicais e superficiais como ele, em relação ao
Espiritismo.
Papus
acata o princípio, também lembrado por Sir James Frazer, acima citado, segundo
o qual o mecanismo da magia precisa de um veículo entre a vontade humana e as
coisas inanimadas. Na opinião de Sir James Frazer, toda a magia baseia-se na
lei da simpatia, ou seja, “as coisas atuam umas sobre as outras, a distância,
por estarem secretamente ligadas entre si por laços invisíveis
“Para
isso — escreve Papus — o operador deverá aplicar sua vontade, não sobre a
matéria, mas sobre aquilo que incessantemente a modifica, o que a Ciência
Oculta denomina o plano de formação do mundo material, ou seja, o plano
astral.” (O primeiro destaque é meu; o segundo, do original.)
Esse
plano, os magos concebem como sendo as forças da natureza, das quais, por
certo, tanto se utilizam os trabalhadores do bem, como os outros.
(1) Tradução de medial Shaiah, 1974,
5ª edição da Editorial Kier, Buenos Aires, do original francês “Traité
Elementaire de Magia Pratique”.
“Não cabe
dúvida — prossegue Papus — que são as forças da natureza que o mágico deverá
pôr em ação, sob o influxo da sua vontade; mas que classe de forças são essas?”
Diz ele
que são as forças hiperfísicas, assim entendidas as que apenas diferem das
energias meramente físicas nas suas origens, pois emanam de seres vivos e não
de mecanismos inanimados.
No
fenômeno da pronta germinação, crescimento da planta e produção de frutos, que
alguns faquires teriam realizado, segundo testemunhos nos quais Papus acredita,
aconteceria apenas uma abundante doação, à semente, e depois à planta e ao
fruto, das energias orgânicas do faquir, que se poriam em consonância com as
energias armazenadas na semente.
“A
vontade do faquir — diz Papus — põe em ação uma força capaz de desenvolver, em
algumas horas, a planta, que, em condições normais, levaria um ano para atingir
aquele ponto de crescimento. A dita força não tem muitos e diversos nomes de
bom sentido; pura e simplesmente, chama-se vida.”
A magia
seria, portanto, uma ação consciente da vontade sobre a vida. A definição
completa proposta por Papus é a seguinte:
“É a
aplicação da vontade humana dinamizada à evolução rápida das forças vivas da
natureza.”
À página
91, resume ele a sua teorização, ao dizer que são três as maneiras de agir
sobre a natureza:
1ª —
Físicamente, modificando a estrutura do ser ou de um ponto qualquer na
natureza, pela aplicação exterior de forças físicas, que utiliza o trabalho do
homem. A agricultura, em todas as categorias, a indústria, com todas as suas
transformações, entram neste quadro.
2ª —
Fisiológica ou astralmente, modificando a estrutura de um ser, por meio da
aplicação de certos princípios e de certas forças, não à forma exterior, mas
aos fluídos que circulam dentro do aludido ser. A Medicina, em todos os seus
ramos, é um exemplo desse caso, e haveremos de declarar que a Magia (ele a
escreve com letra maiúscula, embora escreva Espiritismo com letra minúscula)
admite a possibilidade de influir sobre os fluídos astrais que atuam na
natureza e sobre os que atuam nos homens.
3ª —
Psiquicamente, atuando diretamente, não sobre os fluídos, mas sobre os
princípios que os põem em movimento.”
Vamos
conferir:
“Colaboradores
desencarnados — escreve André Luiz (1) —extraiam forças de pessoas e coisas da
sala, inclusive da Natureza em derredor, que casadas aos elementos de nossa
esfera faziam da câmara mediúnica precioso e complicado laboratório.”
(Destaques meus.)
O resto é
aplicação prática desses princípios: se os orientamos para o bem, obteremos
resultados positivos; se os dirigirmos para o mal, arcaremos com a
responsabilidade correspondente. E é precisamente na aplicação que mais
veementes restrições o Espiritismo teria a fazer à magia, ainda que sem tocar
os tenebrosos domínios da magia negra.
Ao
cuidarem dos problemas da obsessão, por exemplo, mesmo os adeptos mais bem
informados da magia, revelam um despreparo comovedor, atribuindo a base do
fenômeno à formação das chamadas larvas, que se alimentariam da “substância
astral” emanada do “imprudente que lhes deu vida”. Para a criação dessas
larvas, basta que se tenha medo dos ataques de ódio de outra pessoa, e segundo
Papus, a prática mediúnica espírita seria uma dessas causas.
Papus
oferece dois métodos diferentes para tratamento dessas “obsessões”: um de ação
indireta, outro de ação direta.
Exemplifica
ambos. Num deles, em Londres, optou pelo método indireto, magnetizando uma
senhora na presença do obsidiado.
A mulher,
em transe, via uma faixa fluídica pairando em certo recanto da residência da
vítima. Orientado pela descrição da mulher, Papus desenhou a faixa num pedaço
de papel branco, “consagrado e perfumado”, e prosseguiu:
“Terminado
que foi o desenho, uma fórmula e uma prece puseram em comunicação a imagem
física com a forma astral e então cortamos o desenho em vários pedaços, com a
ajuda de uma grande e afiada lâmina de aço. A mulher adormecida declarou que os
cortes influiram, incontinenti, na forma astral, que, igualmente, se desfez em
pedaços.”
E, com
isto, estaria curada a “obsessão”...
O segundo método (direto) seria recomendável para
“os casos em que a obsessão toma um caráter especialmente grave”.
(1) “Nos Domínios da Mediunidade”,
capitulo 28 — “Efeitos Físicos”, edição FEB.
Baseia-se
no princípio de que as larvas e os elementais — seres algo animalizados que
servem aos magos — alimentam-se da substância astral de que é muito rico o
sangue. O método consiste, pois, no seguinte: toma-se uma mecha de cabelos do
obsidiado, que deverão ser incensados, consagrando-os segundo o procedimento
habitual. Em seguida, o paciente deverá aproximar-se e diante dele se molhará
um punhado de seus cabelos no sangue de uma pomba ou de uma cobaia, também
consagrados sob a influência de Júpiter ou de Apolo, pronunciando-se o Grande
Conjuro de Salomão. Para isto, o oficiante deverá vestir-se de roupas brancas.
Em
seguida, colocar o cabelo, molhado em sangue, sobre uma pequena prancha, traçar
à sua volta um círculo, desenhando-o com uma mistura de carvão e ímã
pulverizado. Escrever no interior do círculo, nos quatro pontos cardeais, as
quatro letras do tetragrama sagrado. A seguir, com a espada mágica (ou, na sua
falta, com uma ponta de aço comum, com cabo de madeira envernizada) investir
energicamente contra os cabelos, ordenando à larva que se dissolva.
Segundo o
autor, o processo raramente falha, pelo menos depois de repetido três vezes, de
sete em sete dias.
A
reprodução destes métodos não tem por objeto aqui ridicularizar o procedimento
daqueles que os praticam, pois como seres humanos, e irmãos nossos, merecem
respeito e consideração; limitamo-nos a expô-los. Aqueles que lidam com graves
problemas obsessivos, sabem muito bem que pouca diferença existe entre esse
procedimento e o recurso igualmente inócuo do exorcismo eclesiástico. Num ou
noutro caso, podem, no entanto, produzir resultados positivos, inteiramente
aleatórios, seja porque o Espírito obsessor ficou algo impressionado com as
complexidades do ritual, ou porque resolveu, “sponte sua”, abandonar sua
vítima; mas é raro que um obsessor ferrenho e tenaz desista definitivamente da
luta, apenas porque alguém o ameaçou com uma espada.
Por
exemplos como estes, podemos admitir que os verdadeiros segredos da magia
perderam-se há muito. Restaram apenas fragmentos de uma técnica que, em tempos
idos, foi manipulada com habilidade e competência. Os magos caldeus, persas e
egípcios não ignoravam fenômenos elementares como os da obsessão, a ponto de
tentarem curá-la com práticas tão ingênuas. Seus recursos e conhecimentos eram
muito mais amplos e profundos. Mas, se essa técnica perdeu-se para os
encarnados — pelo menos para os que têm escrito os tratados mais conhecidos de
magia —, ela se preservou para os Espíritos desencarnados, antigos magos que
levaram para a vida póstuma os conhecimentos especializados.
A
propósito, parece ainda oportuno reproduzir uma das normas coligidas por Papus:
“Tratai
de não vos servir jamais desta arte contra vosso próximo, a não ser para uma
vingança justa. Mesmo assim, porém, aconselho-vos que é melhor imitar a Deus,
que perdoa, e que vos tem perdoado a vós mesmos. E não há ocasião mais
meritória do que a de perdoar.”
A
despeito do apelo ao perdão, quem achará que sua vingança é injusta? Buscando
novamente André Luiz, encontramos em “Nos Domínios da Mediunidade” esta
observação preciosa de Aulus:
—
“Abstenhamo-nos de julgar. Consoante a lição do Mestre que hoje abraçamos, o
amor deve ser nossa única atitude para com os adversários. A vingança, Anésia,
é a alma da magia negra. Mal por mal, significa o eclipse absoluto da razão. E,
sob o império da sombra, que poderemos aguardar senão a cegueira e a morte?”
Outro
autor bastante conceituado entre os entendidos é Eliphas Levi. O Dr. Gérard
Encausse tem-no em elevada conta e, por várias vezes, em suas obras, refere-se
a ele com respeito e admiração. Eliphas Levi também viveu no século 19 e sua
obra “Dogma e Ritual da Alta Magia” (1), por exemplo, foi escrita em 1855,
quando o Espiritismo estava ainda na fase preliminar das mesas girantes. Embora
sem declarar-se católico, Levi acata os principais dogmas ortodoxos: a
divindade de Jesus, a Trindade, a existência do céu e do inferno. A despeito
disso, não se furta a algumas criticas veementes, como esta, por exemplo:
“A Igreja
ignora a magia, porque deve ignorá-la ou perecer, como nós o provaremos mais
tarde; ela nem ao menos reconhece que seu misterioso fundador foi saudado no
seu berço por três magos, isto é, pelos embaixadores hieráticos das três partes
do mundo conhecido, e dos três mundos analógicos da filosofia oculta.”
A obra de
Papus é bem mais didática e ordenada do que a de Levi, mas os princípios
fundamentais identificam-se em vários
(1) Editora Pensamento, São Paulo.
pontos
importantes e ambos consideram o mago como o verdadeiro conhecedor e o
feiticeiro como simples imitador. Papus usa uma imagem, dizendo que o mago é o
engenheiro da magia, enquanto o feiticeiro é simples obreiro.
“Há uma
verdadeira e uma falsa ciência — escreve Levi —; uma magia divina e uma magia
infernal, isto é, mentirosa e tenebrosa; temos de revelar uma e desvendar
outra; temos de distinguir o mago, do feiticeiro; e o adepto, do charlatão.”
O estilo
de Levi, como, aliás, o de Papus, também, é algo pomposo, às vezes obscuro e
nem sempre muito coerente. Ambos concordam, porém, em que o conceito
fundamental da magia está na movimentação, em proveito próprio, dos segredos e
forças da natureza.
Levi
defende a tese de que a resistência, num sentido, é indispensável para que a
força aplicada, em sentido contrário, se robusteça e a vença. Seus dogmas não
são menos surpreendentes, como este, por exemplo:
“Assim,
para o sábio, imaginar é ver; como, para o mago, falar é criar. Aquele que deseja
possuir, não deve dar-se. Só pode dispor do amor dos outros aquele que é dono
do seu, ou seja, não o entrega a ninguém.”
Quanto ao
fenômeno das mesas girantes, diz ele, “outra coisa não são senão correntes
magnéticas que começam a formar-se, e solicitações da natureza que nos convida,
para a salvação da humanidade, a reconstituir as grandes cadeias simpáticas e
religiosas”. Por isso, atribui “todos os fatos estranhos do movimento das mesas
ao agente magnético universal, que procura uma cadeia de entusiasmo para
formar novas correntes”. Os golpes, “raps” e os instrumentos que tocam,
aparentemente sozinhos, “são ilusões produzidas pelas mesmas causas”.
Sua
descrição da evocação do Espírito de Apolônio de Tiana, em Londres, é de uma
riqueza impressionante de minúcias e começa com um sabor de romance de capa e
espada, quando ele recebe, dentro de um envelope, no hotel, um cartão cortado
transversalmente, com este recado:
“Amanhã,
às três horas, diante da abadia de Westminster, vos será apresentada a outra
metade deste cartão.”
Era uma
senhora, e colocou à disposição dele, após os juramentos devidos, arsenal
completo, com toda a instrumentação necessária a uma evocação. Ao cabo de
complicadíssimo ritual, um Espírito manifestou-se, realmente:
— “Chamei
três vezes Apolônio, fechando os olhos; e, quando os abri, um homem estava
diante de mim, envolto inteiramente por uma espécie de lençol, que me pareceu
ser mais cinzento do que branco; a sua forma era magra, triste e sem barba, o
que não combinava exatamente com a idéia que primeiro tinha de Apolônio.
Experimentei uma sensação extraordinária de frio, e quando abri a boca para
interrogar o fantasma, me foi impossível articular um som. Pus, então, a mão
sobre o signo do pentagrama, e dirigi para ele a ponta da espada, ordenando-lhe
mentalmente, por este signo, a não me amedrontar e a obedecer-me. Então, a
forma ficou mais confusa e ele desapareceu imediatamente. Ordenei-lhe que
voltasse: então senti passar, junto a mim, como que um sopro, e, alguma coisa
tendo-me tocado na mão que segurava a espada, tive imediatamente o braço
adormecido até os ombros. Julguei entender que esta espada ofendia o Espírito,
e a plantei, pela ponta, no circulo junto a mim. A figura humana reapareceu
logo; mas senti tão grande fraqueza nos meus ombros e um repentino
desfalecimento apoderar-se de mim, que dei dois passos para me assentar. Desde
que fiquei assentado, caí num adormecimento profundo e acompanhado de sonhos,
de que me restou, quando voltei a mim, somente uma lembrança confusa e vaga.”
(Destaques meus.)
Assim foi
realizada a evocação que, sem nenhum ritual complicado, sem substâncias,
círculos, espadas e vestimentas especiais, e sem evocação, realiza-se, a cada
instante, em incontáveis sessões mediúnicas.
Quanto à
magia negra, apresenta o autor o que chama de revelação nova e que consiste no
seguinte:
“O diabo,
em magia negra, é o grande agente mágico empregado para o mal por uma vontade
perversa.”
Também o
enfeitiçamento está dentro dessa linha de raciocínios.
“O
instrumento do enfeitiçamento não é outro senão o próprio grande agente, que,
sob a influência de uma vontade má, se torna, então, real e positivamente o
demônio.”
Às vezes,
no entanto, deixa entrever que o domínio que muitos buscam exercer sobre o
semelhante não está tanto nos ritos e nas práticas, mas na própria psicologia
humana:
“Acariciar
as fraquezas de uma individualidade é apoderar-se dela e fazer dela um
instrumento, na ordem dos mesmos erros e das mesmas depravações.”
Ou então:
“Todos
nós temos um defeito dominante, que é, para nossa alma, como que o umbigo do
seu nascimento pecador, e é por ele que o inimigo sempre nos pode pegar; a
vaidade, para uns, e preguiça para outros, o egoísmo para o maior número. Que
um espírito hábil e mau se apodere desta mola, e estais perdidos.”
De outras
vezes, percebemos, de relance, por que tanto se empenham em conquistar a
insensibilidade os Espíritos encarnados e desencarnados que fazem do domínio
sobre o semelhante a meta de suas vidas:
“Só o
adepto de coração sem paixão — escreve Levi — disporá do amor ou ódio daqueles
que quiser fazer de instrumento da sua ciência.”
“O
magista — prossegue adiante — deve, pois, ser impassível, sóbrio e casto,
desinteressado, impenetrável e inacessível a toda espécie de preconceitos ou
terror. Deve ser sem defeitos corporais e estar à prova de todas as
contradições e de todos os sofrimentos. A primeira e mais importante das obras
mágicas échegar a esta rara superioridade.”
Em suma,
ele tem que aprender a querer, para poder impor a sua vontade. A instrumentação
é secundária, quando uma vontade firme e dinâmica sustenta os seus interesses.
É preciso crer que se pode, e esta fé deve traduzir-se imediatamente em atos.
Vejam
este outro conselho:
“Ter o
maior respeito por si mesmo e considerar-se como um soberano desconhecido, que
assim faz para reconquistar a sua coroa.”
Por causa
desse e de outros princípios e noções, não é fácil lidar com os magos
desencarnados. Não exatamente por causa dos danos que possam causar-nos. Se
estamos num grupo mediúnico bem constituído e harmonizado, nada conseguirão
contra nós. Nada sofreremos em razão do próprio trabalho de desobsessão, o que seria injusto, mas é claro que,
como seres imperfeitos que somos, temos abertas as brechas das nossas próprias
imperfeições. Como nos disse um amigo espiritual, certa vez, sofreremos, no
decorrer do trabalho de desobsessão, apenas aquilo que estiver autorizado pela
nossa ficha cármica. Ë claro, pois, que os trabalhadores das sombras empenharão
o melhor de seus esforços no levantamento de nossas fichas, ou seja, de nossa
vida pregressa, estudando-nos sob todos os ângulos, vigiando-nos, a fim de
surpreenderem-nos no momento em que mostramos onde a nossa cerca está
arrombada... Entrarão em ação imediatamente. Estão convictos de que poderão
atingir-nos; é só questão de tempo e oportunidade, pensam eles, e, como dizia
Levi, “para poder é preciso crer que se pode e esta fé deve traduzir-se
imediatamente em atos”.
Estejamos
vigilantes, porém tranqüilos e guardados na paz do Cristo. Se o nosso trabalho
é de Deus, sigamos em frente, serenos, confiantes, destemidos. Estejamos
preparados, porém, para enfrentar os companheiros desarmonizados. Aqueles que
por longos séculos vêm praticando a magia, estão habituados a vencer pela
vontade disciplinada — que aprenderam a dominar — todos os obstáculos. Não nos
impressionemos, porém, com os seus rituais, seus gestos, seus talismãs, suas
evocações, suas palavras misteriosas e secretas.
Temos que
atuar não sobre esses sinais exteriores dos seus cultos, mas sobre os seus
Espíritos atormentados, embora aparentemente següros e frios. Toda aquela
serenidade aparente desmorona, quando conseguimos convencê-los de seus trágicos
enganos. Estejamos prontos para ajudá-los, pois este é o momento mais grave,
mais sério, mais profundamente humano de suas vidas: quando entrevêem uma
réstia de luz a iluminar-lhes o próprio coração, os escombros dos antigos
sonhos, os fantasmas que trazem no íntimo, os desenganos, os remorsos, as
angústias, o desespero. É preciso tratá-los com carinho, com humildade e
singela compreensão, porque a dor do despertamento é, quase sempre, esmagadora.
Quem a presenciou pode fazer idéia, porque senti-la, em toda a sua
profundidade, somente aquele que a experimentou.
Lembremo-nos
de que os Espíritos que na Terra estiveram envolvidos nas práticas mágicas não
desapareceram, nem se perdeu o conhecimento dos mecanismos de certas leis do
magnetismo, da hipnose, da manipulação de drogas e fluídos, de forças naturais
e de toda a parafernália que lhes proporcionava poderes secretos e misteriosos,
mas muito reais.
Com os
esclarecimentos contidos hoje na Doutrina Espírita, estamos em condições de
entender muitos desses segredos e mistérios, pois, no fundo, o mago sempre foi
um médium, assistido por companheiros desencarnados, com os quais se afina bem,
no interesse de ambos. Os Espíritos vivem em grupos, ligados por interesses
comuns, e revezam-se na carne e no além, apoiando-se mutuamente, alguns
empenhados em finalidades nobres, construtivas e reparadoras, e outros
envolvidos, século após século, em lamentáveis e tenebrosas práticas de
dominação e vingança, tortura, perseguição, infligindo sofrimentos atrozes aos
infelizes que lhes caem sob o poder maligno e infeliz.
O
conceito de Sir James Frazer, de que a magia baseia-se na simpatia, é válido.
Em Espiritismo, diríamos que se trata de sintonia vibratória. Não que a magia
tenha poderes por si mesma, pois ela não encontra ressonância e, por
conseguinte, não alcança êxito junto àqueles que já se redimiram, ou que, pelo
menos, acham-se defendidos pela prece, pela vigilância e pela prática da
caridade, no serviço ao próximo.
*
Por mais
de uma vez temos tido experiências com processos de magia, em trabalhos de
esclarecimento mediúnico. Magos do passado, que continuando no Além seus
estudos e práticas, comparecem, excepcionalmente, aos trabalhos de desobsessão
nos quais se acham envolvidos, pois não gostam de descobrir-se. Entre eles
encontramos até ex-sacerdotes católicos que, em tempos idos, praticaram a
magia e, revertidos ao mundo espiritual, retomaram suas experiências.
À visão
espiritual de nossos médiuns apresentavam-se com as vestimentas e os simbolos
de sua preferência, ou portando “objetos”, poções, signos, velas, substâncias
e até acompanhados de acólitos, para servi-los.
Um deles
trouxe-nos — certamente para intimidar-nos — um pobre ser espiritual
inteiramente dominado, reduzido a uma deplorável Condição subumana de pavor e
deformação perispiritual. Nosso médium viu-o atirar esse pobre espírito, de
rastros, num círculo magnético infernal, do qual a infeliz vítima não podia
livrar-se, por mais que se debatesse. Era um exemplo para nós, a fim de que
deixássemos de interferir em sua atividade, disse ele.
Outro
veio traçar signos e fazer invocações contra um de nós, especificamente. Tinha
recebido uma solicitação, selada com sangue, num terreiro. Não podia deixar de
atender ao “irmão de sangue”. Depois de seu ritual, cumprido à nossa vista,
declarou que sua vítima “estava amarrada”, e partiu.
Mais
tarde manifestou-se outro de sua equipe — ou seria ele mesmo? — com a proposta
de “desfazer” o trabalho. E repetia, incessantemente:
— Quer que vire, eu
viro. -. Quer que vire, eu viro...
Não; não
queríamos que ele virasse, com o que ele ficou muito desapontado, pois
obviamente teria sido muito mais fácil, para ele, alcançar seus objetivos
ocultos e lamentáveis, se aquele a quem ele visava propusesse um “pacto”, que
entregaria a ele sua vítima, de pés e mãos atados, pronta para o “serviço”. Vendo-se
recusado, passou para outro médium, no mesmo grupo, e apresentou-se agora com
outro nome, embora reclamando que seu “cavalo” não prestava, porque não o
obedecia. Tinha diante de si um prato de sangue, com o qual pretendia
alcançar-nos.
De outra
vez, um desses visitantes sinistros deixou sobre a mesa, segundo relato de um
de nossos videntes, pequenas caveiras com as órbitas iluminadas por uma baça
luz vermelha. Uma para cada um de nós.
Acontece,
porém, que, empenhado em trabalhos redentores, o grupo dispõe de proteção e
ajuda de companheiros redimidos, também antigos magos, profundos conhecedores
desses trabalhos, sempre presentes para contraporem seus conhecimentos e
recursos às desesperadas tentativas desses irmãos, agarrados ainda ao lado
escuro da vida, tentando dominar pelo terror. Um desses companheiros infelizes
confessou que via ao nosso lado quem, melhor do que ele, conhecia os segredos
de sua arte e a neutralizava. Mais do que isso: por processos que não se
revelaram aos nossos sentidos, o mago foi completamente desarmado em suas
táticas, tão cuidadosamente planejadas. Nosso médium viu apenas que, em torno
dele, colocaram sete lâmpadas, ou lanternas, de cores diferentes.
Um caso
marcou época, pela sua extraordinária sofisticação. O mago era realmente
profundo conhecedor de sua arte e engendrou um mecanismo magnético, através do
qual mantinha, subjugadas aos seus propósitos, as mentes de quatro seres
encarnados.
Em suma,
a magia é mais comum do que desejaríamos admitir, e oferece riscos realmente
sérios, contra os quais os grupos mediúnicos têm que estar muito bem
preparados e assistidos. É claro que ela age apenas quando e onde encontra as
necessárias brechas e o condicionamento da culpa, da falta, do erro, que nos
sintoniza com o mal e nos expõe à aproximação dos implacáveis cobradores das
trevas.
Os magos
desencarnados são, as mais das vezes, inteligentes, experimentados e
conhecedores profundos das mazelas e fraquezàs humanas, pois vivem disso, nas
suas práticas funestas. Não se detêm diante de nenhum escrúpulo, não temem
represálias, são pouco acessíveis à doutrinação, ao apelo do amor e do perdão.
Sabem, como todo Espírito envolvido nas sombras das suas paixões inferiores,
que somente estarão protegidos da dor enquanto mantiverem em torno de si mesmos
aquele clima de terror. Atacam para nao serem atacados, oprimem para não serem
oprimidos, espalham a dor para fugirem às suas próprias. Sabem muito bem que no
dia em que “fraquejarem”, ou seja, aceitarem a realidade maior, que muito bem conhecem,
chegará o duro momento da verdade e começará a longa escalada de volta. E quem
desceu semeando sofrimentos, só pode contar com sofrimentos durante a subida.
Não há outro caminho. Por isso são implacáveis e, por -isso, demoram-se no erro
que, paradoxalmente, os compromete cada vez mais. Estão perfeitamente
conscientes, no entanto, de que um dia — não importa quando — terão fatalmente
que enfrentar a realidade de si mesmos, pois o mal não é eterno.
Enquanto
isso, utilizam-se da vontade bem treinada, para movimentar, em seu proveito,
as forças da Natureza.
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