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28 de fev. de 2014

"É Carnaval"


Jorge Hessen






A cada ano pessoas mergulham numa falsa felicidade de 3 dias de “folia” (1) seguida de 362 dias de novas e reconstruídas aflições. Será lícito confundir “diversão” passageira com alegria real? O carnaval é um desses delírios coletivos que costumam ser classificados como “extravasadores de energias reprimidas” – será mesmo? Em verdade o entrudo (2) representa o momento em que pessoas projetam o que há de mais irracional e de mais incivilizado em si mesmas.
 
Há quem afirme ser o período do carnaval marcado pelo "adeus à carne", ou do latim "carne vale", dando origem à palavra. Embora não haja unanimidade entre os estudiosos, a terminologia pode estar associada à ideia de encanto dos prazeres do corpo (carnal) marcado pela expressão "carnis valles", sendo que "carnis" em latim significa carne e "valles" significa prazeres.
 
Já foi no passado a comemoração dos povos guerreiros, festejando vitórias; foi reverência coletiva ao deus Dionísio, na Grécia clássica (bacanália); na velha Roma imolava-se nessas ocasiões uma vítima humana (saturnália); na Idade Média era uma comemoração adotada pela Igreja romana, no século VI. Isso nos remete ao início do período da quaresma, uma pausa de 40 dias nos excessos cometidos durante o ano (mormente alimentação). (3) Assim, em sua origem não era apenas um período de reflexão espiritual, como também uma época de privação de certos alimentos como a carne.
 
Em Roma, em homenagem ao Deus Saturno, carros alegóricos (a cavalo) desfilavam com homens e mulheres. Eram os carrum navalis. O termo carnaval pode derivar das iniciais da frase: “carne nada vale”. Outra interpretação para a etimologia da palavra é a de que esta derive de currus navalis, expressão anterior ao Cristianismo e que significa carro naval. (4)
 
Há muitos séculos o carnaval era marcado por grandes festas, em que se comia, bebia e participava de frenéticas celebrações e busca incessante dos prazeres. (5) Prolongava-se por sete dias (de dezembro) nas ruas, praças e casas da antiga Roma. Todas as atividades e negócios eram suspensos nesse período; os escravos ganhavam liberdade temporária para fazer o que quisessem e as restrições morais eram relaxadas. Um rei era eleito por brincadeira e comandava o cortejo pelas ruas (saturnalicius princeps).
 
O carnaval atual é modelado na sociedade da corte (vitoriana) do século XIX. A cidade de Paris foi o principal modelo exportador da homenagem a Momo para o mundo. Cidades como Nice, Nova Orleans, Toronto e Rio de Janeiro se inspirariam no carnaval parisiense para implantar suas novas festas carnavalescas.
 
Um fato é incontestável: a cultura do carnaval estabelece tudo o que aguça o primarismo humano, volúpia, sensualidade e prazer. Não propomos quaisquer normas proibitivas ou restrição de anseios pessoais. Até porque temos o livre arbítrio, e viver na Terra é fazer as escolhas pessoais. Sem medo de correr o risco de ser taxado de moralista, lembro que a Lei de Causa e Efeito preconiza a obrigatoriedade da colheita em tudo o que foi semeado livremente.
 
Para todas as situações da vida, lembremos sempre da recomendação de Paulo de Tarso: “Todas as coisas me são lícitas”. (6) Há os que julgam que a participação nas festas de Momo nenhum mal acarreta à integridade fisiopsicoespiritual. Divergimos desse ponto de vista.
 
A Doutrina Espírita nada proíbe, nem nada obriga, nem censura o carnaval; mas igualmente, não endossa sua realização. Sabe-se que durante a folia de Momo são perpetrados abusos de todos os tipos e, mormente, desregramentos da carga erótica de adolescentes, jovens, adultos e até velhos (mal resolvidos); há consumo exagerado de álcool e outras drogas, instalação da bestialidade generalizada, excessos esses que atraem espíritos vinculados ao deletério parasitismo magnético, semelhantes às hienas diante de carcaças deterioradas (carniças).
 
É verdade! A Doutrina Espírita nem apoia nem condena o carnaval; todavia clarifica muitos aspectos ligados ao evento. Inobstante não dite regras coercitivas, cremos que o espírita deve ter completa ciência das implicações infelizes advindas desses festejos alucinantes. Logicamente não precisa se condenar o carnaval, nem temer por acreditá-lo uma festa “diabólica”; não precisa evadir-se por receio de atração dos seus “encantos”, porém vigiar à distância da agitação. Se se aprecia o folguedo de Momo, deve-se ser um observador atento e equilibrado.
 
Não fossem os exageros, o carnaval, como festa de integração sociocultural, poderia se tornar um acontecimento compreensível, até porque não admitir isso é incorrer em erro de intolerância. Há muita gente que busca fazer do carnaval um momento de esperança, oportunizando empregos, abrigando menores, e isso é muito valioso. Entretanto, o grande saldo da festa se resume em três palavras: violência, ilusão e sensualidade.
 
Particularmente, não vejo outro caminho que não seja o da “abstinência sincera das folias”. O ideal seria o emprego do feriadão para a descoberta de si mesmo, entrosamento com os familiares, leitura de livros instrutivos, frequência a reuniões espíritas, participação em eventos educacionais, culturais ou mesmo o descanso, já que o ritmo frenético do dia a dia exige, cada vez mais, preparo e estrutura físico-psicológica para os embates pela sobrevivência.
 
Não há como “tapar o sol com a peneira” e ignorar que nesses períodos os foliões fascinados surgem de todos os antros para busca da perversão. A efervescência momesca é episódio que satura em si a carga da barbárie e do primitivismo. Há os que aniquilam as finanças familiares para experimentar o momento efêmero de “desfrutar” dias de total paranoia. Adolescentes, adultos e decrépitos se abandonam nas arapucas pegajosas das estéreis fanfarras. Não percebem que bandos de malfeitores do além (obsessores) igualmente colonizam as “avenidas e ruas” num lúgubre show de bizarrices. Malfeitores das penumbras espirituais se acoplam aos histriões fantasiados pelos fios invisíveis do pensamento por causa dos entulhos lascivos que trazem na intimidade.
 
Todos estamos sob influências das entidades do além-túmulo. Muitas fantasias de expressões ridículas são inspiradas pelos espíritos que vivem em regiões penumbrosas do além. Os espíritos excitam “nossos pensamentos e ações e essa influência é maior do que imaginamos porque, frequentemente, são eles [os espíritos] que nos conduzem”. (7) Pode parecer assustador tal afirmativa, ainda mais que se tem tais espíritos à conta de “demônios”.
 
Os três dias de Momo, portanto, poderão se transformar em três séculos de penosas reparações. Será que vale a pena pagar preço tão elevado? Os foliões incuráveis declaram que o carnaval é um extravasador de tensões, “liberando as energias”… Entretanto, no carnaval não são abrandadas as taxas de agressividade e nem as neuroses. O que se observa é um somatório da bestialidade urbana e de desventura doméstica. Após os festejos surgem as gravidezes indesejadas e a consequente proliferação de abortos, incidem graves acidentes de trânsito, acréscimo da criminalidade, estupros, suicídios, ampliação do consumo de várias substâncias estupefacientes, alcoólicos, assim como o surgimento de novos drogados, disseminação das enfermidades sexualmente transmissíveis (inclusive a AIDS).
 
Existem muitas outras formas de diversão, recreação ou entretenimento disponíveis ao homem contemporâneo, algumas verdadeiros meios de alegria salutar e aprimoramento (individual e coletivo), para nossa escolha. Para os espíritas, merece reflexão a advertência de André Luiz: “Afastar-se de festas lamentáveis, como aquelas que assinalam a passagem do CARNAVAL, inclusive as que se destaquem pelos excessos de gula, desregramento ou manifestações exteriores espetaculares. A verdadeira alegria não foge da temperança.”. (8) [grifamos]
 
Existem alguns centros espíritas que fecham suas portas nos feriados do carnaval por diversos pretextos inaceitáveis. Repensemos o seguinte: uma pessoa com necessidades imediatas de atendimento fraterno ou dos recursos espirituais urgentes em caso de obsessão – seria lógico fazê-la esperar para ser atendida após as "cinzas", uma vez ocorrendo essa infelicidade em dia de feriado momesco?
 
Como nosso imperativo maior é a Lei de Evolução, um dia tudo isso, todas essas manifestações ruidosas que marcam nosso estágio de inferioridade desaparecerão da Terra. Em seu lugar então predominarão a alegria pura, a jovialidade, a satisfação, o júbilo real, com o homem despertando para a beleza e a arte, sem agressão nem promiscuidade.


Referências:
(1)            Do francês folle, que significa loucura ou extravagância sem que tenha existido perda da razão
(2)            O entrudo chegou ao Brasil por volta do século XVII e foi influenciado pelas festas carnavalescas que aconteciam na Europa. Em países como Itália e França, o carnaval ocorria em formas de desfiles urbanos, onde os carnavalescos usavam máscaras e fantasias.
(3)            Excessos esses que incluem, segundo a crença da igreja romana, a alimentação
(4)            Esta interpretação baseia-se nas diversões próprias do começo da Primavera, com cortejos marítimos ou carros alegóricos em forma de barco, tanto na Grécia como em Roma e, posteriormente, entre os teutões (povos germânicos que viveram no centro e norte da Europa).
(5)            A Festa do deus Líber em Roma; a Festa dos Asnos que acontecia na igreja de Ruan no dia de Natal e na cidade de Beauvais no dia 14 de janeiro, entre outras inúmeras festas populares em todo o mundo e em todos tempos, têm esta mesma função.
(6)            I Coríntios 10:23
(7)            Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, questão 460, RJ: Ed FEB, 1990
(8)            Xavier, Francisco Cândido e Vieira Waldo. Conduta Espírita, ditado pelo espírito André Luiz,  RJ: Ed. FEB, 1999


Artigo de Jorge Hessen, publicado originalmente no seu site ARTIGOS ESPÍRITAS - JORGE HESSEN, aqui publicado com autorização do autor. 

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