ALLAN KARDEC E OS DIFERENTES ESPÍRITAS
Quando
um autor desenvolve uma tipologia de grupos de pessoas, não há dúvidas que ele
deseja destacar as diferenças entre elas. No caso do movimento espírita, uma
das primeiras tipologias que lemos está no capítulo Do Método em O Livro dos
Médiuns, de Allan Kardec.
Proselitismo
e incredulidade
Kardec
está começa o capítulo discutindo o proselitismo, que considera natural, e
propõe que se faça pela instrução. Aqui ele desenvolve uma opinião muito
interessante, da qual geralmente não damos muita atenção: ele considera que
tentar convencer materialistas, pessoas que não acreditam na existência do
espírito, via de regra, é perda de tempo.
Ele
analisa os que chamou de “materialistas por sistema”, definindo-os como quem
considera o homem como “simples máquina, que funciona enquanto está montada,
que se desarranja e de que, após a morte, só resta a carcaça”. Se aceitarmos
variações sobre este tema, temos nos dias de hoje os que se intitulam céticos,
e se consideram adeptos das ciências, negando sistematicamente qualquer avanço
que se faça na pesquisa do espírito.
“Com
tal gente nada há o que fazer: ninguém mesmo deve se deixar iludir pelo falso
tom de sinceridade dos que dizem: fazei que eu veja e acreditarei. Outros são
mais francos e dizem sem rebuço: ainda que eu visse, não acreditaria.”
Kardec
conhecia o lado humano dos supostos investigadores: “A maioria deles se obstina
por orgulho na opinião que professa”.
Tipos
de espíritas
Se
passarmos as páginas vemos que ele se voltou ao movimento espírita de sua
época. E analisando os que se interessavam pela proposta espírita, estabeleceu
alguns tipos ou classes.
Ele
começa pelos que, desconhecendo a proposta espírita, não a tendo estudado, se
identificam com os grandes princípios da doutrina. Ele os chama de espíritas
sem o saberem. Hoje há um grande número de pessoas que simpatizam-se com
alguns princípios nucleares da proposta espírita, como a existência de Deus, a
imortalidade da alma, a mediunidade, a reencarnação, a ética racional e
humanista, cristã em seus princípios. Eles não se identificam como espíritas,
mas se sentem confortáveis quando em contato com nossa literatura e,
eventualmente, em nossas reuniões.
Entre
os que estudaram, ele identificou os que ficam apenas na esfera das
manifestações espirituais. Kardec os chamou de espíritas
experimentadores. Ele tirou o termo experimentador de “experiência”, o
conhecimento oriundo geralmente da observação, dos órgãos dos sentidos. Mais do
que meros curiosos, que ainda vemos chegar nos centros espíritas, eles são
pessoas que estudam e dedicam-se ao espiritismo como um conhecimento de
fenômenos espirituais, e não como uma abordagem de conhecimento do ser humano.
Kardec não condena o estudo dos fenômenos espirituais, quando cria este
tipo-ideal, ele critica que os espíritas se mantenham exclusivamente nesta
esfera de investigação ou estudo.
O
próximo tipo que ele propôs são os espíritas imperfeitos. Estes
estenderam seus estudos à esfera da filosofia espírita e da ética espírita.
Eles sabem que os fenômenos são um dos pilares de uma nova visão de mundo, que
tem uma proposta para os homens. Sabem que o estudo da vida após a morte não é
mero diletantismo, mas desvela uma nova forma de ver as pessoas, seus
relacionamentos, a forma de lidar com seus sentimentos, e entende a necessidade
de se ter uma ação e uma vivência interior coerente com esta nova realidade. No
entanto, deixam para lá. Vivem suas vidas como se nada disso fosse real. Em
linguagem cristã, são homens e mulheres do mundo, dos valores encontrados e
aceitos na trama social em que se encontram. Não se acham convencidos realmente
da necessidade de transformarem-se. Hoje em dia eles se contam aos
milhões, em meio aos que se auto-intitulam espíritas ou apenas simpatizantes.
O
terceiro tipo que ele propôs, é muito interessante, se analisado à luz da
história do cristianismo. Além do estudo dos fenômenos e da filosofia e ética
espíritas, eles se acham convencidos da importância de se ter uma ação
diferente no mundo. Esta ação é ao mesmo tempo, social e psicológica. Valorizam
a caridade (que em outros momentos de sua obra Kardec distingue do
assistencialismo, e categoriza em material e moral). Eles encaram a existência
terrena como “prova passageira”.
Kardec
os chama de “verdadeiros espíritas” ou “espíritas cristãos”. É
curioso que Kardec não faz qualquer paralelo com os santos, do movimento
cristão. Ele considera os espíritas cristãos como pessoas com suas lutas
interiores e exteriores, não como um grupo de pessoas de vida exemplar, capazes
de enfrentar o martírio, que apresentam virtudes heroicas e que são capazes de
produzir milagres. Uma leitura do capítulo “Sede Perfeitos”, em O
Evangelho segundo o Espiritismo, é bem esclarecedor.
Por
fim, Allan Kardec fala dos espíritas exaltados. Eles são uma
mistura de ingenuidade e entusiasmo, uma forma de fanatismo. Eles acolhem de
forma acrítica o que dizem os médiuns, e apesar da boa-fé, são ingênuos. Eles
também povoam o movimento espírita e fazem muitos estragos quando se tornam
divulgadores do espiritismo, de alguma forma, porque projetam para as pessoas
uma imagem muito diferenciada da proposta racional espírita.
Outros
autores fizeram tipologias de espíritas em outros momentos históricos, como é o
caso de Leopoldo Machado. Espero poder retornar ao tema no futuro, porque o
texto já está bem extenso.
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