Dialogo com as Sombras 3ª PARTE - (26,27)
26 - VAIDADE E ORGULHO
27 - PROCESSOS DE FUGA
26 - VAIDADE
E ORGULHO
Muito
ligado ao problema do poder está o da vaidade, e também o do orgulho. Vimos
como se entrelaçam, no caso da rainha indiana.
A vaidade
se apresenta sob muitos aspectos e é claro que nem sempre está associada ao
exercício do poder. Às vezes, limita-se aos cuidados com a aparência “física”,
as vestimentas, ou à inteligência.
Muitos
são os que nos visitam, nas sessões mediúnicas, em estado de exaltação
vaidosa. Há os que se julgam muito belos (ou belas), os que ostentam
condecorações, jóias, mantos, séquitos de servidores e acólitos, bem como os
que alardeiam conhecimentos intelectuais estupendos. Um desses foi enfático.
Dirigia uma organização que mantinha Espíritos aprisionados sob as mais
abjetas condições do submundo das dores. Ao apresentar-se, falou imediatamente
sobre si mesmo: era belo, poderoso, “divino
— Você me vê? —
pergunta-me.
Sempre
fora importante. É o senhor daquela região (o médium havia sido levado, por
desprendimento). Tem ali muitos prisioneiros, guardados por um velho que, em
tempos passados, fora seu escravo, e que chicoteou, em nossa presença. Quanto
a mim, devo-lhe algo muito sério, pois lhe arrebatei alguém que estava
destinado a ficar também, como prisioneiro, em seus tenebrosos domínios.
Quando
comparece da segunda vez, faz uma cena, fingindo ser um pobre enforcado,
necessitado de socorro urgente e de passes restauradores. Ao perceber que não
conseguiu iludir-nos, ri, desapontado, dizendo que estamos ficando muito
sabidos e perigosos. Retoma o diálogo irônico, envolvente, inteligente.
Revela-se um dos magistrados do Espaço. Cabe-lhe fazer com que a lei seja cumprida.
Não é ele quem retém seus prisioneiros; são seus próprios crimes, e eles querem
ficar lá, numa autopunição inevitável. Volta a dizer que é belo, brilhante e
poderoso. Sente-se nele a evidente satisfação consigo mesmo, com aquilo que
faz, a alegria quase infantil com que contempla a si mesmo, e à sua obra
sinistra.
Fez com
alguns companheiros encarnados um pacto. Poder versus poder. Ele os ajuda a
conquistarem uma fatia de domínio, no lado de cá da vida, e eles lhe dão, por sua
vez, a parte que lhe toca. A essa altura, propõe, também a mim, uma barganha:
libertará aqueles em quem estou interessado, em troca de uma condição: devo
“depor as minhas armas”. E, muito vivo e inteligente, antecipa minha resposta:
— “Sei que você vai
dizer que o amor não é uma arma...
Não só isso, respondo-me, mas, também não tenho
autoridade para fazer acordos. Fale com meus superiores, lá mesmo, no
mundo
espiritual. Tudo
ele tenta, inclusive o meu envolvimento, com elogios e lisonja. Depois, perde
a paciência, indignado. Não está acostumado a resistências assim, irracionais
e tolas, ele que é um “deus”.
Coitado!
Como é difícil cair do pedestal... mas vai aos poucos cedendo, e enquanto entra
em crise, o pior lhe acontece, pois vê sua beleza física desmoronar-se
lentamente, enquanto um súbito e estranho processo de envelhecimento
destrói-lhe as belas feições. Ouve choro de crianças (te-las-ia sacrificado?)
e, por fim, confessa que seu ódio “perdeu a força”.
É uma
afirmativa desesperada, arrancada do fundo de si mesmo, e não deve ter sido
fácil para ele reconhecê-lo; a crise começou a precipitar-se nele, a partir do
momento em que deixou de ser belo. Demonstrada, a ele próprio, a insuficiência
da vaidade física, as demais vaidades também entraram em colapso.
*
Quanto ao
orgulho, visita-nos com igual freqüência, e vem sempre associado à vaidade ou
ao poder, ou a ambos. Alguns nos invocam a velha fórmula:
— Você
sabe com quem está falando?
Comandam
vastas instituições do terror. Apresentam-se aparentemente tranqüilos e
seguros, ou assaz rancorosos e agressivos. Às vezes são, de fato, muito
brilhantes e cultos, artificiosos no raciocínio envolvente, na formulação de
perguntas embaraçosas, hábeis manipuladores do método socrático, com o objetivo
de obter a condenação do doutrinador, através de suas próprias palavras. Que
prazer sentem em oprimir e dominar! Que orgulho pelas posições que ocupam,
conquistadas com dores e sofrimentos infligidos ao semelhante! Vivem,
literalmente, em pedestais, dos quais nem pensam em descer, porque, se o
fizerem, encontrarão seus próprios fantasmas, suas culpas, suas angústias
pessoais. Alguns crêem-se realmente divinizados e onipotentes. Um deles me
disse que acreditava em Deus:
— O fato
de eu existir — afirmou —, prova que alguém me criou.
Mas,
quanto ao Cristo, fora um fraco. Nada tinha contra Ele, contanto que Ele não
interferisse com seus planos, que eram grandiosos.
Outro
companheiro, chocado com o tratamento que haviamos dispensado ao seu “chefe”,
através de outro médium, manifestou-se
irritado, até mesmo algo assustado, dizendo-nos que nem fazíamos idéia de quem
era ele, pois, do contrário, não o teríamos tratado daquela forma. Ele era
muito importante mesmo:
— Ah! se você
soubesse quem é ele...
E os
antigos “Príncipes” da Igreja, que comparecem tremendamente enfatuados,
condescendendo em conversar conosco, trânsfugas miseráveis, traidores vis,
envolvidos com uma doutrina maléfica, demoníaca, como o Espiritismo? Que
pompa, coitados! Que olímpica indignação!
Um destes
me conheceu em antiga encarnação, durante a Reforma Protestante, onde fôramos
adversários, no campo teológico. Num “flash” de inspiração, pois estou
familiarizado com as minúcias da história da Reforma, identifiquei-o pelo nome.
Era ele mesmo. Acabamos, ambos, descobrindo as fontes ocultas de seu fanatismo
religioso: em tempos idos, ele fora um daqueles que apedrejaram Estevão...
27 - PROCESSOS
DE FUGA
A
contínua observação desses métodos, ao longo dos anos, vai desenhando para nós
um perfil mais nítido dos segredos e mistérios do transviamento moral. As
atitudes agrupam-se e, em cada uma delas, repetem-se os gestos, as palavras, os
impulsos, as motivações. No entanto, guardam todas, e cada uma delas, a sua
individualidade e as suas surpresas. Não sei como explicar esse jogo, entre o
inédito e o esperado. Parece que as posições são basicamente as mesmas, mas,
dentro delas, cada um toma o caminho que lhe impõem os seus fantasmas
interiores. Em suma: há certas constantes que se repetem, que se cristalizam,
que constituem modelos, padrões, ou o que seja, dentro dos quais a
individualidade de cada um se preserva, mantendo certa autonomia. Ë como se,
num conceito amplo de determinismo difuso, eles agissem dentro de um amplo raio
de livre escolha.
Vamos a
alguns exemplos.
Uma das
constantes, identificadas nesses Espíritos que perseguem, que dominam, que
espalham a dor, é a fuga. Fogem de si mesmos, das suas próprias dores, das suas
angústias e frustrações.
Sejam
quais forem as justificativas que invoquem para as suas atitudes — quando as
apresentam — o mecanismo é sempre o mesmo: procuram esquecer seus próprios
crimes e aflições, adiar o encontro com a verdade, anestesiar-se na
insensibilidade, pelo cruel e desumano processo de acostumar-se à fria contemplação
da dor alheia. É preciso entendê-los bem. Não são monstros irrecuperáveis, que
merecem o santo horror e a condenação eterna. Não são seres desprezíveis, que
tenhamos de abandonar à sua própria sorte, para sempre. Temos que nos aproximar
deles com sentimento de amor fraterno e de compreensão, não com nojo, como se
fôssemos os redimidos, e eles os réprobos perdidos em seus crimes. Temos de
entender que estão em fuga. A
couraça de que se revestem émais frágil do que parece, e não é impenetrável aos
fluídos sutis do amor. Defendem-se da dor, atacando, agredindo, maltratando.
Tentam cicatrizar suas próprias feridas abrindo ferimentos em outros corações.
No fundo, sabem que podem somente adiar o reencontro com as suas realidades
interiores, mas não ignorá-las para sempre. Quantos deles nos têm dito que
sabem muito bem disso, mas que saberão “ser homens”, quando chegar, para eles
também, a cobrança! Enquanto não chega, prosseguem suas tarefas abomináveis.
Sabem de suas responsabilidades, e imaginam, com bastante precisão, o que os
espera um dia, quando “caírem”. Por isso mesmo é que resistem, enquanto podem,
buscando apoio nas organizações a que pertencem, pois essa é a lei a que se
apegam: a lei da solidariedade incondicional, que os protege mutuamente do dia
do despertamento.
Essa é a
doutrina da fuga.
Por outro
lado, quem foge precisa de esconderijos para ocultar-se. No caso, ocultar-se
de si mesmo. São muitos, esses refúgios. O principal deles talvez seja o
esquecimento do passado. Este recurso é básico, essencial mesmo, para aquele
que precisa, perante sua própria consciência, justificar, por exemplo, uma vingança
impiedosa, que se prolonga no tempo e vara séculos ou milênios. Enquanto o
perseguidor estiver “esquecido” das origens de sua verdadeira dor, ele sente
forças, em si mesmo, para perseguir aquele que o feriu. Se ele voltar sobre
seus passos, ao seu pretérito, irá descobrir que sofreu aquele ferimento
exatamente porque, antes, causou dor semelhante a alguém, faltando, assim, à
lei universal da fraternidade, O esquecimento o ajuda a manter acesa a chama
rubra do ódio e, portanto, a da vingança. É vítima “inocente” de um crime
inominável. Aquele miserável roubou-lhe a mulher, espezinhou a sua honra,
levou-o ao crime, ao suicídio, à miséria, a ele, que sempre foi bom e correto,
que nenhum mal fez a ninguém...
Se um dia
ele descobre, por exemplo, que há séculos vêm os dois disputando, à ponta de
punhal, aquela mesma mulher, através de várias encarnações infelizes, sua
perplexidade é enorme, e, muitas vezes, o impacto dessa lembrança é suficiente
para sacudi-lo fora de seu esconderijo psicológico e recolocá-lo na trilha
evolutiva da recuperação interior.
De outras
vezes, nem isso basta, pois são muitos os que, através de uma longa e
tenebrosa experiência espiritual, quase sempre no lado errado da vida, conhecem
bem o passado e, mesmo assim, prosseguem na fria execução de seus planos
medonhos. Estes também estão em fuga, mas não buscam os esconderijos
habituais, e sim o atordoamento da ação. Enquanto estão atordoados, organizando
planos tenebrosos e os levando a efeito, vivem a salvo das suas próprias dores.
A desesperada atividade mantém-nos, de certa forma, alheios aos seus dramas e
desesperos.
Um deles
confessou-me que conhecia bem o seu passado. Ocupara, em cada vida, a posição
que lhe convinha aos propósitos pessoais. Amava a glória e o poder, acima de
tudo. Responsabilidades, claro que tinha muitas. E daí?
Outros
dizem que não se importam com o resgate. O que importa é o que fazem no
momento, Isso lhes agrada. É isso que desejam fazer; seja a vingança, seja a
disputa de maiores fatias de poder, sejam as campanhas mais amplas, em que
emprestam sua colaboração à organização a que pertencem, e que, por sua vez,
também os protege.
A imaginação de cada um cria seu próprio mecanismo de
fuga. Há os que se prendem aos conceitos teológicos, depois de desfigurá-los e
corrompê-los, para servirem aos seus propósitos. Isto éparticularmente válido
para os antigos sacerdotes, que se apoiam em fantásticas teologias, e em textos
escolhidos com extremo cui
dado, no próprio
Evangelho do Cristo. Quantos deles temos encontrado nas tarefas mediúnicas!
Lembro-me
de um, em
particular. Montara sua própria organização, nas trevas.
Apresenta-se
aparentemente muito humilde e manso. Informa-me que “consentiu em receber-nos
na sua câmara”, porque a entrevista lhe foi solicitada por pessoas que ele
respeita e admira. É claro que se vê naquilo que chama sua própria “câmara”. É
a segunda vez, em muitos anos, que concorda em tratar diretamente com alguém,
pois tem seus auxiliares para contactos e execução dos planos. Quer saber o que
desejamos dele, embora certamente o saiba.
O diálogo
prossegue, tranqüilo, enquanto ele permanece escondido na sua mansidão
aparente, mas as ameaças mais claras começam a filtrar-se: não nos deixará
sair dali, sem saber do que se trata, pois dignou-se a conceder-nos a
entrevista. Ao fim de longa conversa, difícil, em que ele se mantém ameaçador,
na sua aparente tranqüilidade, nossos benfeitores revelam-nos que se trata de
um antigo franciscano extraviado. Aos poucos, conseguimos despertá-lo para a
realidade que ele tanto teme enfrentar.
Qual
teria sido o mecanismo do fenômeno, que se poderia chamar de “inversão de
local”? Como e por que o Espírito, incorporado no médium, no cômodo em que
realizamos os trabalhos mediúnicos, poderia julgar-se recebendo-nos em sua
“câmara”? Os nossos mentores não nos explicaram o ocorrido, mas creio que não
seria fantasioso admitir, especulativamente, nesse caso, a velha e segura
técnica da hipnose. Por mais defendidos que se julguem encontrar esses
companheiros desarvorados, em suas furnas escuras, não são invulneráveis à
misericórdia divina. Se o fossem, não teriam jamais a oportunidade de se
libertarem de sua condição tão dolorosa. Ao passo que eles não têm condições de
peso específico para subir às regiões da luz a fim de promover distúrbios e
“conquistas”, o que seria inadmissível, os Espíritos iluminados podem descer,
sacrificialmente, aos antros da angústia, e o fazem com freqüência, a fim de
tentar o resgate de companheiros que já ofereçam um mínimo de condições para
ser ajudados.
De algum
modo, cujo conhecimento ainda nos escapa, aquele irmão deve ter sido preparado
e condicionado de tal forma, pelos trabalhadores do Cristo, que, mesmo
deslocado, em nosso grupo sentia-se ainda em toda a segurança do seu reduto, no
qual condescendia generosamente em receber-nos, com as suas pouco veladas
ameaças.
É
possível também — e esta seria uma forma alternativa de considerar o caso — que
o nosso médium tenha realmente sido desdobrado, sob a proteção do Alto, até o
“local”, e de lá transmitido a mensagem que nos possibilitou o diálogo.
Frequentemente, temos presenciado esse fenômeno do deslocamento de médiuns,
que, desdobrados do corpo físico, vão ao encontro do Espírito que os nossos
mentores desejam pôr em contacto conosco.
Deixo
abertas as opções mencionadas, bem como outras que não me tenham ocorrido. Um
dia saberemos o suficiente para entender melhor essa extraordinária faculdade
que é a mediunidade.
*
São
muitos os que falam em nome de uma fé que não possuem mais, em nome de um Deus
que não amam, de um Cristo que pretendem colocar a serviço de suas paixões
subalternas e de um Evangelho que somente citam naquilo que lhes convém, com as
interpretações que lhes interessam. Não negam a reencarnação, nem a
sobrevivência, nem a comunicabilidade dos Espíritos; mas isto será revelado —
dizem — quando a Igreja for restabelecida em toda a sua glória, ou seja, quando
voltar a dominar, como instrumento de suas ambições.
Às vezes
o esconderijo é a cultura intelectual. Constroem seus próprios sistemas,
Inventam brilhantes sofismas e adestram-se em uma dialética deformada, mas, nem
por isso, frágil e desarticulada; ao contrário, bastante inteligente, pois,
sendo eles inteligentes, precisam de um inteligente mecanismo de fuga.
Enfim,
cada um constrói o seu esconderijo, inventa suas defesas, segundo suas
Inclinações, recursos e intenções. A finalidade, porém, é uma só: esconder-se
das próprias angústias. Quando descobrimos suas motivações, estamos a caminho
de poder ajudá-los a libertar-se da dor. Os indícios precisos eles mesmos
no-los fornecem. É preciso estarmos atentos, vigilantes, pacientes e prontos a
servi-los naquilo que lhes convém aos Espíritos atormentados, e não naquilo que
possa estimular-lhes as paixões abrasadoras.
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