31 - LINGUAGEM ENÉRGICA
Sem dúvida alguma, a tônica do nosso diálogo com os irmãos desnorteados é a
paciência, apoiada na compreensão e na tolerância. Nada de precipitações e
ansiedades. Bastam as ansiedades do irmão que nos visita e, se pretendemos
minorá-las, temos que contrapor, às suas aflições, a nossa tranqüilidade. Se o
companheiro éagressivo e violento, o esforço deve ser redobrado, da nossa
parte, em não nos deixarmos envolver pela sua “faixa”. A voz precisa continuar
calma, em tom afável, sem precisar ser melosa; mas éimprescindível que seja sustentada
pela mais absoluta sinceridade e por um legitimo sentimento de amor fraterno,
sem pieguice.
Isto não exclui, por certo, a necessidade, às vezes, de uma palavra mais
enérgica; mas, o momento de dizê-la tem que ser buscado com extrema
sensibilidade, tato e oportunidade. E, se for necessário dizê-la, é preciso que
a voz não se altere a ponto de soar violenta, autoritária ou rude. A energia
não está no tom de voz, mas naquilo que dizemos.
Certo Espírito apresentou-se-nos, certa vez, em estado de terrível
agitação. Caíra em poder de implacável hipnotizador, que o reduzira ao mais
extremo desespero. Aproveitando-se da incorporação ao médium e da proteção do
grupo, falou aflitivamente de seu problema. Este é o irmão a que já me referi,
ao contar que, depois de recolhido pelos trabalhadores espirituais, recaíra em
poder de seu perseguidor. Quando me levanto para ajudá-lo, reclama, em altos
brados e com desprezo, que de nada valem meus passes e minhas preces. Deseja
morrer, desintegrar-se. Contraditoriamente, diz, a seguir, que se vingará
implacavelmente de seu obsessor, quando conseguir pegá-lo. Está possuído de
intenso ódio e de muita revolta. A uma palavra minha, diz que sim, que pediu a
Deus, mas que isso de nada adiantou.
Este é o momento em que certa dose de energia torna-se de imperiosa
necessidade. Ele foi recolhido, pelo nosso grupo, em estado de pânico e
aflição indescritíveis, pois desencarnara, muito jovem, em condições dolorosas
e trágicas. Foi socorrido e encaminhado a uma instituição hospitalar do
Espaço. A despeito de todo o cuidado, e do carinho de nossos dedicados irmãos,
resvala novamente no precipício da desarmonia, que o recoloca à mercê de seus
perseguidores. Agora, mais desarvorado do que nunca, exige uma solução para o
seu caso, deblaterando contra a ineficácia dos nossos métodos de trabalho.
É hora de falar-lhe com mais firmeza, ainda que sem o mais leve traço de
arrogância, de ressentimento ou de condenação. Ele precisa, ainda e sempre, de
compreensão e de esclarecimento, mas tem que reconhecer, também, que Deus não
se acha à nossa disposição, para atender a qualquer capricho ou cumprir
ordens.
Digo-lhe, pois, que ele não pediu a Deus; ele tentou exigir de Deus um
imediato alívio para os seus males, que, afinal de contas, são decorrência de
suas próprias faltas contra a lei divina. Não é assim que as coisas funcionam.
Por outro lado, também não posso lhe tirar a dor, como num passe de mágica. Ele
deve convencer-se de que precisa ser mais humilde, mais paciente. A essa
altura, porém, seu hipnotizador, que se achava presente, recomeçou a indução,
para impedir que ele escapasse novamente do seu poder.
Um deles tentou aliciar a atenção de um dos componentes do grupo — uma
jovem senhora — explorando sua repugnância por baratas e ratos. Dizia que a
sala estava cheia de baratas “astrais”,
que
subiam pelo corpo dela, e de ratos que corriam de um lado para outro. Tomou um
pequeno lenço, que se achava sobre a mesa, e largou-o sobre as mãos que ela
conservava pousadas sobre os olhos fechados. Ela se manteve firme, e eu também
não lhe disse nada, deixando-o “brincar” um pouco. Durante nossa conversa anterior
— confirmada no prosseguimento do diálogo — ele nos dera inequívoca
demonstração de capacidade intelectual, poder de oratória, habilidade como
argumentador, agressividade e arrojo. Era um líder, um “professor” de Doutrina
Espírita. A cena com as “baratas” e os “ratos astrais” era, no mínimo,
incongruente, e revelava desespero, como quem apela para um recurso extremo,
quando falham os outros. Percebera, por certo, que não conseguia convencer-nos
pela argumentação. Achei, porém, que não era ainda a oportunidade de falar-lhe,
mais a sério, sobre os seus “recursos”.
Na reunião seguinte pareceu-me que o momento propício chegara. A certo
ponto, desviei sua conversação animada, sobre a “doutrina” de Kardec, para o
problema das baratas:
— Como é que você — disse-lhe eu —, um homem assim inteligente e culto,
que se diz líder e mestre, faz uma brincadeira como aquela, de baratinhas e
ratinhos astrais?
Ele parece ter sido apanhado de surpresa; pensou, talvez, que, como eu
deixara passar a ocasião de falar, na sessão anterior, o episódio ficara
esquecido. Algo desconcertado, disse-me, evasivamente, como quem se desculpa:
— Foi o que encontrei
aqui...
Mas estava evidentemente desbalanceado, e, muitas vezes, um pequeno
incidente, como este, fácilita-nos o acesso à verdadeira motivação da sua
problemática. Mas, não nos esqueçamos, o momento tem que ser oportuno e, para
isso, só podemos contar com a intuição, dado que os Espíritos que nos ajudam
não nos transformam em meros repetidores de suas palavras; eles nos orientam e
assistem, mas deixam a nosso critério a condução do diálogo. Raramente
interferem e, quando isto se torna imperioso, fazem-no com extrema discrição,
limitando-se a transmitir uma pequena informação, para que o próprio
doutrinador a desenvolva, com seus recursos.
Em casos excepcionais, sob condições especiais, mentores espirituais,
presentes, incorporam-se em outros médiuns, para doutrinar o Espírito manifestado. É comum,
nestes casos, falarem com inusitada energia e firmeza, e, no entanto, sem o
menor traço de rancor, de impaciência, de agressividade. Um desses companheiros
amados, certa vez disse um “Basta!”, com incontestável autoridade, ao Espírito
que deblaterava com arrogância e impertinência.
O problema da palavra enérgica é, pois, extremamente delicado. Se
pronunciada antes da hora, no momento inoportuno, pode acarretar
inconvenientes e perigos incontornáveis, pois que não podemos esquecer-nos de
que os Espíritos desarvorados empenham-se, com extraordinário vigor e
habilidade, em arrastar-nos para a altercação e o conflito, clima em que se
sentem muito mais à vontade do que o doutrinador. Se este “topar a briga”,
estará arriscando-se a sérias e imprevisíveis dificuldades. Não pode, por outro
lado, revelar-se temeroso e intimidado. Esse meio-termo, entre destemor e
intrepidez, é a marca que distingue um doutrinador razoável de um incapaz, pois
os bons mesmo são rarissimos. E aquele que se julga um bom doutrinador está a
caminho de sua própria perda, pois começa a ficar vaidoso. Os próprios
Espíritos desequilibrados encarregam-se de demonstrar que não há doutrinadores
impecáveis. Muitas vezes envolvem, enganam e mistificam. Se o doutrinador
julga-se invulnerável e infalível, está perdido: é melhor passar suas
atribuições a outro que, embora não tão qualificado intelectual-mente, tenha
melhor condição, se conseguir manter-se ao mesmo tempo firme e humilde.
A interferência enérgica é, pois, uma questão de oportunidade; precisa ser
decidida à vista da psicologia do próprio Espírito manifestante, e da maneira
sugerida pela intuição do momento. Nunca deve ir à agressividade, à irritação,
à cólera, e jamais ao desafio. Qualquer um de nós redobra suas energias, quando
desafiado. É humano, é incontestavelmente humano, esse impulso. Quando alguém
põe em dúvida um, que seja, dos nossos mais modestos atributos, tratamos logo
de provar que, ao contrário, é naquilo que somos bons.
Ademais, seria desastroso recuar, intimidado, depois de uma observação mais
enérgica. O Espírito perturbado tiraria disto o melhor partido possível, para
os seus fins. Uma das muitas armas que manipulam, com extrema habilidade, é a
do ridículo. Se cairmos na tolice de dizer-lhes algo que não podemos
sustentar, ou em que transpareça uma pequena pitada de cinismo, de hipocrisia
ou de prepotência, estaremos em apuros muito sérios.
É preciso, pois, estarmos atentos e preparados para interferir com mais
energia, certos de que firmeza não é estupidez, nem grosseria, e que o mais
profundo amor fraterno pode e deve coexistir no mesmo impulso de exortação
franca e corajosa. Precisamos saber quando dizer que eles estão errados, e por
quê. Nada de gritos e murros na mesa.
Esses momentos de firmeza são também necessários quando o Espírito entra no
processo que costumo chamar de “crise”, ou seja, quando começa a perceber que
está cedendo. Ainda veremos isto mais adiante, neste livro. Baste aqui dizer
que a energia, neste caso, tem que ser ainda mais adoçada, encorajadora, e não
repressiva.
Em suma, a palavra enérgica
é necessária, indispensável, mesmo, em freqüentes ocasiões, porque em muitos
casos é fator decisivo no despertamento do irmão aturdido; mas deve ser dosada,
com extrema sensibilidade, e, o momento certo, escolhido com seguro tato.DIALOGO COM AS SOMBRAS
HERMÍNIO C. MIRANDA
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