33 - O PASSE
A técnica do passe magnético, nas sessões de desobsessão,
merece algumas observações específicas.
Tão difundida está hoje, pelo menos no Brasil, a idéia do
passe, que até os dicionários comuns contêm definições aceitáveis dele, como, por
exemplo, o de Caldas Aulete e o da Academia Brasileira de Letras, organizado
pelo Professor Antenor Nascentes, que dizem basicamente a mesma coisa:
— Passes,
pl. passagens que se fazem com as mãos por diante dos olhos de pessoa que se
pretende magnetizar, ou sobre a parte doente da pessoa que se pretende curar
por força mediúnica.
É certo
que a definição não cobriu todo o campo de ação do passe, mas, que mais se
poderia exigir de um dicionário não especializado em fenomenologia espírita?
André
Luiz, informando sobre o passe, do ponto de vista da medicina humana, declara,
em “Evolução em Dois
Mundos ”, capítulo 15:
— “Pelo
passe magnético, no entanto, notadamente aquele que se baseia no divino
manancial da prece, a vontade fortalecida no bem pode soerguer a vontade
enfraquecida de outrem, para que essa vontade, novamente ajustada à confiança
magnetize naturalmente os milhões de agentes microscópicos a seu serviço, a fim
de que o Estado Orgânico, nessa ou naquela contingência, se recomponha para o
equilíbrio indispensável.”
Pouco
antes, dissera ele que:
“Toda
queda moral, nos seres responsáveis, opera certa lesão no hemisfério
psicossomático, ou perispíríto, a refletir-se em desarmonia no hemisfério
somático ou veículo carnal, provocando determinada causa de sofrimento.”
Retomando
o tema, em “Mecanismos da Mediunidade”, observa ainda, esse mesmo autor
espiritual, que o passe “é sempre valioso no tratamento devido aos enfermos de
toda classe, desde as crianças tenras aos pacientes em posição provecta na
experiência física, reconhecendo-se no entanto, ser menos rico de resultados
imediatos nos doentes adultos que se mostrem jungidos à inconsciência temporária,
por desajustes complicados do cérebro. Esclarecemos, porém, que, em toda
situação e em qualquer tempo, cabe ao médium passista buscar na prece o fio de
ligação com os planos mais elevados da vida, porqüanto, através da oração,
contará com a presença sutil dos instrutores que atendem aos misteres da
Providência Divina, a lhe utilizarem os recursos para a extensão incessante do
Eterno Bem”.
Observamos
que os textos aqui reproduzidos referem-se especificamente ao passe curador,
aplicado em seres encarnados. Como sabemos, porém, o passe é utilizado também
para magnetizar, provocando, nesse caso, o desdobramento do perispírito, e até
o acesso à memória integral e conseqüente conhecimento de vidas anteriores,
segundo experiências de Albert de Rochas, reiteradas posterior-mente por vários
pesquisadores.
A
literatura sobre o passe magnético é vasta, mesmo fora do âmbito estritamente
doutrinário do Espiritismo, de vez que o magnetismo foi amplamente cultivado
na Europa, no século passado, principalmente na França.
Poucos
estudos existem, ao que sabemos, sobre o passe aplicado aos seres
desencarnados, não apenas para fins curativos de disfunções perispirituais,
como para provocar a regressão de memória. Parece, no entanto, lógico inferir
que o mecanismo é idêntico ao passe aplicado em seres encarnados. Os
ensinamentos de André Luiz permitem-nos concluir assim, quando informam que o
passe magnético, apoiado na prece, constitui poderoso fator de reajustamento
para os desencarnados cujos perispíritos se acham lesados em decorrência de
quedas morais.
O
perispírito, como veículo da sensibilidade e intermediário entre o Espírito e o
ambiente em que vive, está presente, tanto no encarnado como no desencarnado.
Sua estrutura, embora mais sutil noutro campo vibratório, é similar à do corpo
físico, pois é ele o modelador da nossa organização material. Dessa forma, o
Espírito desencarnado, incorporado ao médium, torna-se facilmente acessível ao
passe magnético e, portanto, aberto aos benefícios que o passe proporciona.
Na
prática da desobsessão, tenho tido oportunidade de observar as possibilidades
e recursos do passe sobre companheiros desencarnados e creio poder contribuir
com algumas observações, ainda que preliminares, mas bastante encorajadoras.
Sem
dúvida alguma, o passe é recurso válido nos labores mediúnicos, mas deve ser
empregado com certas cautelas e com moderação. Nesse campo, definições
precisas e definitivas não existem ainda, pelo simples fato de que o ser
humano, além de ser uma organização consciente extremamente complexa, é imprevisível.
O passe, como todos os demais recursos com que procuramos socorrer os nossos
irmãos desencarnados em crise, precisa ser ministrado no momento certo, com a
técnica adequada e na extensão necessária. Mas, qual o momento, qual a técnica
e qual a extensão, para cada caso? Não podemos ainda — e creio que não
poderemos fazê-lo tão cedo — escrever normas rígidas para a tecnologia do passe
sobre os desencarnados.
No
entanto, os amigos espirituais que tão generosamente se colocaram ao nosso
lado, para orientar e apoiar o nosso trabalho de doutrinação, têm-nos trazido
sempre o estímulo dos seus ensinamentos, e creio que algumas observações já
estão mais amadurecidas e em condições de mais aprofundados estudos e desenvolvimento.
Nunca é demais lembrar que, neste campo de trabalho, o conhecimento real emerge
da experimentação, de um ou outro engano, de falhas e de êxitos, mas que, em
hipótese alguma, deveremos enveredar imprudentemente pelas trilhas da
fantasia, desligados dos conceitos fundamentais da Doutrina Espírita, tal como
codificada por Kardec e suplementada pelos seus continuadores. A teorização
somente é válida quando escorada na experiência, mas não devemos esquecer que a
recíproca também é legítima, ou seja, a experimentação deve balizar-se dentro
daqueles conceitos fundamentais que a Doutrina e a lógica já confirmaram. Não
sei se me faço entender. Talvez um exemplo ajude a esclarecer o que tenho em
mente ao escrever isto.
As
faculdades psíquicas, como sabemos, são, em si mesmas, neutras. Tanto podem ser
empregadas nas tarefas do bem, como nas outras. Podem também ser desenvolvidas
e treinadas por métodos limpos, altamente éticos, com seriedade e respeito, ou
por meio de processos aviltantes, hediondos e totalmente desprovidos de
qualquer compromisso com a moral. Os rituais da magia negra também revelam e
desenvolvem faculdades psíquicas, mas por processos abjetos que, em virtude de
permanecerem em segredo, pouca gente tem noção do nível de degradação a que
podem levar. É fácil imaginar que tipo de mediunidade e que pactos sinistros
emergirão desses métodos sinistros, e que tenebrosos compromissos acarretarão
para o Espírito.
Em
contraposição a tais processos, a identificação da mediunidade em potencial e
o seu desenvolvimento, em termos de Doutrina Espírita, devem resultar de
cuidadoso planejamento, estudo metódico e prática bem orientada, mesmo porque,
qualquer trabalho mal orientado, nesta fase, pode criar vícios de difícil
erradicação posterior.
Creio que
princípios gerais semelhantes a esses aplicam-se também ao estudo do passe, nas
sessões de desobsessão. Ele é realmente o recurso válido e potente, no trato
dos nossos irmãos desencarnados; sua técnica, não obstante, precisa ser
desenvolvida com muita prudência e seriedade.
A
primeira norma que poderíamos lembrar é a de que não deve ser aplicado a
qualquer momento, indiscriminadamente, e por qualquer motivo. O passe provoca
reações variadas no ser humano, encarnado ou desencarnado. Ele pode serenar ou
excitar, condensar ou dispersar fluídos, causar bem-estar ou incômodo, curar ou
trazer mais dor, provocar crises psíquicas e orgânicas, ou fazê-las cessar,
subjugar ou liberar, transmitir vibrações de amor ou de ódio, enfim, construir
ou destruir.
Precisamos
estar sempre protegidos pela prece e pelas boas intenções, sempre que nos
levantamos para dar passes num irmão desencarnado incorporado. Mas, para que
dar passes?
Em vários
casos ele pode ser aplicado, mas é preciso usá-lo com moderação, para que, ao
tentarmos acalmar um Espírito agitado, não o levemos a um estado de sonolência
que dificulte a comunicação com ele, justamente do que mais precisamos. Se
temos necessidade de dialogar, para ajudá-lo, como vamos entorpecê-lo a ponto
de levá-lo ao sono magnético? Às vezes, no entanto, isso é necessário. Já
debatemos por algum tempo o seu problema; o que, tinha que ser dito, pelo menos
por enquanto, foi dito, e ele continua agitado. Neste caso, o passe pode
ajudá-lo a serenar-se. De outras vezes, é necessário mesmo adormecê-lo, a fim
de que, ao ser retirado pelos mentores, seja recolhido a instituições de
repouso, para tratamento mais adequado, ou trazido na sessão seguinte, em
melhores condições de acesso.
O passe ajuda também a desintegrar certos
apetrechos que costumam trazer, como “capacetes”, “couraças”, “objetos” imantados,
armas, simbolos, vestimentas especiais. Para isto serão passes de dispersão.
Com o
passe, podemos mais facilmente alcançar-lhes o centro da emoção,
transmitindo-lhes diretamente ao coração as vibrações do nosso afeto, que
parecem escorrer como uma descarga elétrica, ao longo dos braços.
O passe cura dores que julgam totalmente
“físicas”, pois localizam-se muito realisticamente em pontos específicos de
seus perispíritos. Com passes — e neste caso precisamos também de um médium que
tenha condições de exteriorizar ectoplasma — poderemos reconstituir-lhes
lesões mais sérias ou deformações perispirituais.
Com o
passe os adormecemos, para provocar fenômenos de regressão de memória ou
projeções mentais, com as quais os mentores do grupo compõem os “quadros
fluídicos”, tão necessários, às vezes, ao despertamento de Espírito em estado
de alienação.
Com o
passe podemos também ajudá-los a livrar-se da indução hipnótica alheia, ou da
própria, isto é, da auto-hipnose.
De todos
esses aspectos temos tido experiências altamente instrutivas e algumas de
intensa dramaticidade. Já relatei algumas ao longo destas páginas. Veremos
outros exemplos.
São mais
freqüentes as oportunidades em que é preciso adormecer o Espírito,
especialmente ao fim da conversa, de modo a serem conduzidos pelos
trabalhadores desencarnados.
É também
comum o trabalho de “desfazer” vestimentas especiais, dentro das quais se
julgam protegidos de nossos fluídos. Certo Espírito, além de capacete e
couraça, ligava-se por um fio, segundo nos explicou, ao seu grupo. Cinqüenta
companheiros seus haviam ficado reunidos, em rigorosa concentração, para
sustentá-lo na sua “perigosa” missão junto a nós. O passe pode “desfazer” os
fios que ligam Espíritos aos seus redutos. Desta vez, porém, as ligações foram
mantidas e, no devido tempo, os mentores do grupo utilizaram-se daqueles
condutos para levar ao grupo deles uma vigorosíssima carga fluídica, que os
desarvorou completamente.
Numa
dessas ocasiões, o fio também foi preservado, para que, através dele, se
“retransmitisse”, aos comparsas do Espírito manifestado, as palavras que ele
ouvia do doutrinador.
Com mais
freqüência do que seria de supor-se, somos instruí-dos a provocar a
desintegração de objetos e apetrechos, como no caso daquele que nos trouxe,
para fins muito bem definidos, um invisível prato de sangue, que depositou
sobre a mesa.
São
também constantes os fenômenos de regressão de memória, quase sempre
reportando-se a vidas anteriores, nas quais se escondem núcleos de problemas
afetivos, O passe ajuda os Espíritos, a despeito deles mesmos, nesses mergulhos
providenciais no passado, mas nem sempre necessariamente em vidas anteriores.
Lembro-me, a propósito, de um doloroso e comovente caso. O Espírito era
agressivo, violento e de dificílima abordagem. Seu problema central é a mãe.
Tem-lhe ódio mortal. Ao que parece, destacou-se na vida, mas nunca pôde
esquecer-se de suas origens e perdoar a progenitora por ter sido uma pobre e
infeliz peixeira do cais. Quando vê diante de si o Espírito de sua mãe, de
braços estendidos, grita-lhe impropérios terriveis, manda-a de volta ao cais,
ameaça bater-lhe e humilha-a de todas as maneiras. Creio que ele não conheceu o
pai e, segundo diz, sofreu humilhações na escola, por causa de sua vida
miserável, numa época de preconceitos muito severos. Ajudados por nossos
passes, os amigos espirituais fazem com ele uma regressão de memória, até à
infância, quando, muito pequeno, ainda aceitava a mãe, porque dependia dela e a
consciência do seu drama interior estava adormecida. Ele se tornou sonolento e,
com voz mansa, começou a chamar pela mãe, até que adormeceu sobre a mesa e foi
retirado.
Na semana
seguinte, voltou novamente com todo o ímpeto, agora agravado pelos “ardis” que
utilizamos contra ele, na sessão anterior. Ainda muito difícil, está pelo menos
em condições de ouvir melhor o que lhe digo. Começo a pedir-lhe que procure
compreender a mãe. Ele sabe que o espírito é imortal e que vivemos muitas
vidas. Por que razão teria ele, por exemplo, escolhido aquela mãe, e não
outra? É porque já estava ligado a ela anteriormente. Ademais, sabia ele das
obsessões de que ela fora vítima? Foi isto, precisamente, que rompeu o dique
das suas emoções represadas: ele próprio fora seu obsessor, enquanto ela se
encontrava na carne e ele permanecia no mundo espiritual. A sua reencarnação
através dela foi um recurso da lei divina do reajuste, necessário a ambos. Num
“flash” doloroso, ele compreendeu todo o seu drama terrível e entrou numa
tremenda crise de remorso.
Ao cabo
de uma longa conversa — e agora é o momento em que o doutrinador precisa de
maior sensibilidade ainda — ele énovamente adormecido e levado.
Em suma:
o passe tem importante lugar no trabalho mediúnico, mas precisa ser utilizado
com prudência e sob cuidadosa orientação dos trabalhadores desencarnados. Não
deve ser empregado para atordoar o manifestante, exatamente quando precisamos
de sua lucidez para argumentar com ele sobre o seu problema; mas, às vezes,
precisa ser aplicado exatamente para serená-lo e prepará-lo para outra ocasião,
em que se apresentará mais receptivo. Tenho perfeita consciência das
dificuldades que o problema oferece e do embaraço em que me encontro para ser
mais específico na formulação de observações concretas e de normas de ação
mais definidas. Em assuntos dessa natureza, é melhor confessar a escassez de conhecimentos
do que arriscar-se a ditar regras que não estão nitidamente definidas pela
experiência. Se posso sugerir alguma Coisa, é que exercitem com parcimônia o recurso
do passe em Espíritos desencarnados e observem atentamente seus efeitos e
possibilidades. Um dia saberemos mais acerca desse precioso instrumento de
trabalho, no campo mediúnico.
HERMÍNIO C. MIRANDA
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