O Evangelho fora dos templos
“Porque Cristo enviou-me, não para
batizar, mas para evangelizar.” – I Co, 1:17.
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Nas várias religiões cristãs, o termo
evangelizar define o entendimento e a aplicação dos ensinamentos contidos no
Novo Testamento de modo particular. No Espiritismo, essa particularidade se
revela na ênfase que é dada à vivência, à exemplificação dos ensinamentos de
Jesus e dos Apóstolos, não só nos momentos de prática religiosa, mas em todas
as situações de sua vida.
O próprio entendimento do que significa
religião foi modificado a partir dos ensinamentos de Jesus. Com Ele, aprende-se
que religião não é algo mágico a ser vivenciado no interior dos templos. Não
mais aquela ideia de que religião é prática mística, contemplativa,
ritualística, cheia de oferendas e fórmulas repetitivas levadas a efeito no
interior das assim chamadas “Casas de Deus”. Religião, conforme seus
ensinamentos e, principalmente seus exemplos, passou a ser, para aquele que lhe
entendeu as lições, um novo modo de viver, de se relacionar com o próximo, em
todos os ambientes, em todos os momentos. Ensinando que Deus está presente em
todo o universo, alargou os limites dos templos, mostrando o Universo como um
templo imenso: “Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo, 14: 2).
Jesus libertou, assim, a criatura humana da
necessidade do comparecimento ao templo, a fim de ali encontrar-se com Deus. O
Mestre jamais convidou alguém a orar num templo. Pelo contrário, quando a
Samaritana manifestou-se no sentido de adorar a Deus no Templo de Jerusalém, o
Mestre desautorizou tal atitude, dizendo-lhe: "Mulher, crede-me que a hora
vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Deus é Espírito e
importa que os que O adoram, O adorem em espírito e em verdade" (Jo, 4: 21
e 24). Para Jesus não havia santuários, lugares especiais. Seus ensinamentos,
suas curas, suas orações sempre foram levados a efeito onde quer que ele se
encontrasse.
Jesus foi um educador de almas
Entretanto, uma concepção religiosa libertadora
não agrada àqueles que desejam exercer o poder religioso, dominando
consciências. Estes procuram conservar a religião como algo mágico, místico,
extático, complexo a ponto de a ela só terem acesso os doutos e os sábios,
pessoas pretensamente especiais, que estariam mais habilitadas a intermediarem
as mensagens das criaturas ao Criador, e vice-versa. Jesus concedeu carta de
alforria à Humanidade, em relação à intermediação sacerdotal, ao informar a
criatura humana de que ela tem o direito legítimo e inalienável de se comunicar
com seu Criador, diretamente, em qualquer lugar onde se encontre: “Mas tu,
quando orares, entra no teu aposento, e, fechando a tua porta, ora a teu Pai
que está em oculto; e teu Pai, que vê secretamente, te recompensará” (Mt, 6:
6).
Ele foi crucificado exatamente pela coragem de
contrapor-se ao poderio sacerdotal, àquela verdadeira ditadura religiosa.
Jesus foi um educador de almas, que sempre
enfatizou a necessidade do empenho da criatura no sentido de educar-se, de
progredir, conforme ensinou no Sermão do Monte: “Assim resplandeça a vossa luz
diante dos homens (...)” (Mt, 5: 16). Toda a mensagem religiosa do Mestre
fundamenta-se no esforço da criatura no sentido de revelar essa herança divina
que todos trazemos. Nada de graças, além da graça da vida. Nada de privilégios:
“(...) e então dará a cada um segundo as suas obras” (Mt, 16: 27).
Sua mensagem é um verdadeiro desafio, no
sentido de transcender os limites da lei antiga, que preconizava “olho por
olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” (Ex, 21: 24).
O Mestre não desejou discípulos passivos
Jesus delineia um novo horizonte na concepção
religiosa do Mundo: “(...) se a vossa justiça não exceder a dos escribas e
fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus” (Mt, 5: 20). “Ouvistes o
que foi dito: amareis o vosso próximo e odiareis os vossos inimigos. Eu, porém,
vos digo: amai a vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam e orai pelos
que vos perseguem e caluniam; (...)” (Mt, 5:42 e 43).
Como educador que foi, Jesus não desejou
discípulos passivos, encantados, deslumbrados. Pelo contrário, sempre buscou
tocar o sentimento, juntamente com o apelo para que a criatura raciocinasse, a
fim de saber, de compreender por que deveria agir desse ou daquele modo.
O Sermão da Montanha, que para muitos é apenas
um hino ao sentimento, é, também, uma vigorosa mensagem à inteligência, ao
raciocínio: “E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe
dará uma pedra? E, pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós, pois,
sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai,
que está nos céus dará bens aos que lhos pedirem?” (Mt, 7: 9 a 11).
Entendendo que o sistema pedagógico de Jesus
fundamenta-se no binômio sentimento/razão, o Espiritismo ensina que a
evangelização não se restringe unicamente ao campo do sentimento, pois a fé
raciocinada começou, inquestionavelmente, com Jesus: “Olhai para as aves do
céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial
as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?” (Mt, 6: 26). Ao
ensinar a criatura a não criar fantasias sobre a fé, mostra a linha divisória
entre aquilo que deve ser objeto da preocupação do homem, e o que deve ser
entregue a Deus, perguntando: “E qual de vós poderá, com todos os seus
cuidados, acrescentar um côvado à sua estatura?” (Mt, 6: 27).
A importância do bom relacionamento
A educação religiosa que Jesus propicia ao
homem leva-o a conscientizar-se de que não será através de orações repetidas
que estaremos agradando a Deus: “E, orando, não useis de vãs repetições, como
os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos” (Mt, 6: 7). Nem
através de oferendas ou bajulações: “Portanto, se trouxeres a tua oferta ao
altar e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali
diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão, e
depois vem e apresenta a tua oferta” (Mt, 5: 23 e 24).
No Seu trabalho educativo do Espírito humano,
Jesus mostrou a importância do bom relacionamento com o próximo como caminho
para Deus, conforme bem entendeu o Apóstolo João, que registrou: “Pois quem não
ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus, a quem não viu?” (I Jo, 4:
20).
Mas, com o passar dos tempos, o eixo da
mensagem cristã foi-se desviando, saindo da área do estudo, da meditação à luz
da oração consciente, passando às práticas exteriores.
Essas verdades religiosas simples, que
estiveram ao alcance de humildes pescadores, de viúvas e de deserdados, foram,
com o passar do tempo, relegadas a segundo plano, tendo sido postos em primeiro
lugar o ritual, a solenidade, o manuseio de objetos de culto, a vela, o vinho,
a fumaça, os cantochãos, todo um conjunto imenso de práticas exteriores
alienantes, buscadas no paganismo romano, que distanciavam o homem cada vez
mais do esforço de autoaprimoramento preconizado pelo Mestre.
Infelizmente, os pronunciamentos libertadores
de Jesus não foram objeto de estudo pelos teólogos, que criaram as liturgias,
os sacramentos, e, pior ainda, a hedionda teoria das penas eternas, desfazendo
a imagem do Deus Misericordioso, tão bem delineada pelo Mestre.
A evangelização é um processo
contínuo
A mensagem cristã foi apequenada,
podada, enxertada por aqueles que dela se apossaram, construindo uma religião
atemorizadora e salvacionista, com base em atitudes místicas e na crença de que
seria o sangue de Jesus o remissor dos pecados da Humanidade. Foi enfatizada a
adoração extática a Jesus-morto, em detrimento do esforço em seguir Jesus-vivo.
Evangelizar passou a significar o encaminhamento da criatura ao interior dos
templos, onde deveria assumir uma atitude inteiramente passiva, ficando no
aguardo das bênçãos de Deus, que seriam conseguidas através de rezas
intensamente repetidas, quando não de longas penitências.
Mas o Mestre, conhecedor da
fragilidade humana, sabia que, de alguma forma, isso iria acontecer, por isso,
prometeu o Consolador: “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai
enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de
tudo quanto vos tenho dito” (Jo, 14: 26).
Cumprindo sua promessa,
enviou-nos o Espiritismo, que não é apenas mais uma religião cristã, mas o
próprio Cristianismo Primitivo, que ressurge na sua pureza, pujança e
objetividade originais, destacando-se das demais religiões, pelo menos das do
Ocidente, pelo seu aspecto altamente educativo.
Dentro dessa perspectiva,
fica claro que evangelizar, na concepção espírita, tem um sentido muito mais
amplo do que aquele que é entendido por outras correntes cristãs, pois tem como
componente básico, indissociável, o elemento educação.
Evangelizar, na conceituação espírita,
representa não só informar alguém a respeito da vida, dos ensinamentos e dos
exemplos de Jesus, mas, principalmente, conscientizar a respeito da necessidade
da aplicação constante desses conhecimentos teóricos à vida diária.
A evangelização, assim compreendida, não se dá
num determinado período de tempo: é um processo contínuo de despertamento da
criatura para a necessidade do esforço, no sentido de promover a sua
transformação moral, numa busca de autoaprimoramento, que se inicia num
determinado momento da vida, mas que não tem data alguma que lhe marque o fim.
JOSÉ PASSINI
passinijose@yahoo.com.br
Juiz de Fora, Minas Gerais (Brasil)
passinijose@yahoo.com.br
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