Dialogo com as Sombras 2ª PARTE (09,10,11) - OS Manifestantes, O Obsessor , O Perseguido
09 - Os Manifestantes
10 - O Obsessor
11 - O Perseguido
9 - OS
MANIFESTANTES
Variam muito as categorias de
Espíritos que comparecem a um grupo mediúnico. Vimos aqueles que pertencem às
equipes socorristas, dedicados ao bem, ao trabalho construtivo, à renúncia, ao
amor fraterno. Claro que não são, nem se julgam, seres redimi-dos, à soleira da
perfeição. Ainda trazem, como todos nós, impurezas e imperfeições, a que dão
combate sem tréguas, nas lutas redentoras em que se empenham, O próprio
trabalho a que se dedicam, de socorro às almas que sofrem dores maiores, é um
dos mais eficazes instrumentos de auto-resgate. Ninguém precisa, e ninguém deve
esperar perfeição, para servir, porque, então, nunca chegaríamos a fazê-lo.
No anverso da medalha encontramos os
Espíritos envolvidos em dolorosos processos de atordoamento moral. Não nos
iludamos com os seus rancores, sua gritaria, sua violência e agressividade: são
terrivelmente infelizes, a despeito de tudo quanto digam ou façam. A couraça de
ódio de que se revestem não passa de uma defesa desesperada contra a
infiltração benéfica do amor. Temem mais o amor do que o ódio, mas desejam-no
acima de tudo neste mundo. Não buscam, no fundo, outra coisa, senão serem
convencidos de seus erros, para retomarem o caminho evolutivo, abandonado, às
vezes, há séculos ou milênios. E, coisa ainda mais estra nha, trazem também
amor no coração, ainda que sepultado em profundas camadas de desesperança e
desenganos.
Sem a
pretensão de cobrir todo o terreno e esgotar o assunto, tentaremos apresentar e
estudar algumas dessas categorias.
10 - O
OBSESSOR
Todo o
capítulo 23 de “O Livro dos Médiuns” é dedicado ao problema da obsessão, que
Kardec considera, com a lucidez que o caracteriza, um dos maiores problemas
decorrentes do exercício da mediunidade. Define ele como obsessão “o domínio
que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas”. Em artigo para
“Reformador” (1), escrevi o seguinte: “... a palavra obsessão é termo genérico
de um fenômeno que pode desdobrar-se em três principais variedades: a obsessão
simples, a fascinação e a subjugação. A primeira delas é a menos perniciosa
porque, usualmente, o médium — pois todo obsidiado tem forte componente mediúnico
— está consciente das manobras e dissimulações do Espírito, o que certamente o
incomoda, mas não o perturba a ponto de provocar desarranjos mentais.”
Esse
artigo prossegue comentando Kardec, para dizer que a fascinação é bem mais
grave, “porque o agente espiritual atua diretamente sobre o pensamento de sua
vítima, inibindo-lhe o raciocínio e levando-a à perigosa convicção de que as
idéias que expressa, por mais fantásticas que sejam, provêm de um Espírito de
elevado gabarito intelectual e moral. Seu engano é evidente a todos, menos a
ele próprio, que segue, fascinado e servil, o Espírito que se apoderou
sutilmente de sua mente”.
“Na
subjugação” — diz ainda o artigo —, “Kardec distingue dois aspectos: a moral e
a corporal. No primeiro caso, o ser encarnado é constrangido a tomar atitudes
absurdas, como se estivesse completamente privado do seu próprio senso
crítico. No segundo caso, o obsessor “atua sobre os órgãos materiais e provoca
movimentos involuntários”, obrigando a sua vítima a gestos de dramático e
lamentável ridículo.”
Acha, por
isso, o Codificador, “que o termo subjugação é mais apropriado do que
possessão, de uso mais antigo”. Nessa linha de raciocínio, portanto, o que
conhecemos por possessão não seria senão um caso grave e extremo de obsessão.
Ao
reexaminar o problema, em “A Gênese”, Kardec chama a obsessão de “ação
persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo”, enquanto que na
possessão, “em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por
assim dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que
este, no entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar
pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente,
porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um
encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se
pode operar no momento da concepção”. (Os destaques são desta transcrição.)
“Ensina
Kardec” — prossegue o artigo — “que, na obsessão grave, o obsidiado fica
envolto e impregnado de fluídos perniciosos que cumpre dispersar pela
aplicação “de um fluído melhor”, ou seja, por processos magnéticos, através de
passes, por exemplo.”
“Nem
sempre, porém” — adverte Kardec —, “basta esta ação mecânica; cumpre,
sobretudo, atuar sobre o ser inteligente (destaque do original) ao qual é
preciso se possua o direito de falar com autoridade que, entretanto, falece a
quem não tenha superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também
será aquela.”
E
acrescenta:
“Mas,
ainda não é tudo: para assegurar a libertação da vítima, indispensável se torna
que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que
se faça que o arrependimento .desponte nele, assim como o desejo do bem, por
meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas
com o objetivo de dar-lhe educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação
de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.” (Destaques
desta transcrição.)
Ninguém
poderia descrever melhor, em tão poucas palavras, o programa — síntese do
processo de desobsessão: o obsessor não deve ser arrancado à força ou expulso.
Ele precisa ser convencido a abandonar seus propósitos e levado ao
arrependimento. Isto se faz buscando com ele um entendimento, um diálogo, pelo
qual procure mos educá-lo moralmente, mas sem a arrogãncia do mestre petulante,
e sim com o coração aberto do companheiro que procura compreender as suas
razões, o núcleo de sua problemática, o porquê da sua revolta, do seu ódio. Por
mais violento e agressivo que seja, é invariavelmente um Espírito que sofre,
ainda que não o reconheça. A argumentação que utilizarmos tem que ser
convincente.
A
obsessão é, amiúde, um processo de vingança. Deseducado moralmente, como diz
Kardec, o Espírito perseguidor busca alívio para o seu sofrimento fazendo
sofrer aquele que o feriu, tornando-se ambos infelizes e envolvendo ainda
outros nas tramas das suas desgraças. É preciso observar, no entanto, que tudo
está previsto nas leis divinas, que, ao mesmo tempo em que permitem a cobrança
de nossas faltas, nos liberam, pelo resgate. A obsessão é impotente diante de
Espíritos redimidos.
Voltaremos
a cuidar do problema, quando tivermos de conversar, mais adiante, acerca das
técnicas e recursos sugeridos para o trabalho.
(1)
“Reformador” de maio de 1074, artigo “Possessão e exorcismo”.
11 - O
PERSEGUIDO
A vítima
da obsessão é sempre uma alma endívidada perante a lei. De alguma forma grave,
no passado mais recente, ou mais remoto, desrespeitou seriamente a lei
universal da fraternidade, vindo a colher, como conseqüência inexorável, o
sofrimento.
A falta
cometida contra o semelhante expoe seu autor aos azares do resgate, mesmo que a
vítima o tenha perdoado imedia tamente. Muitas vezes, a vingança como que se
despersonaliza, passando a ser exercida não por aquele que foi prejudicado, mas
por alguém em seu nome, ainda que não autorizado por ele. Não importa que o
perseguido, ou obsidiado, esteja na carne ou no mundo espiritual. Não importa
que se lembre ou não da ofensa. Não importa que a falta tenha sido cometida
nesta vida ou em remotas existências. O vingador implacável acaba descobrindo o
seu antigo algoz, mesmo que este se oculte sob os mais bem elaborados
disfarces, ligando-se a ele por largo tempo, vida após vida, aqui e no Espaço,
alucinado pelo ódio, que não conhece limites nem barreiras.
Em
“Dramas da Obsessão”, narra o Dr. Bezerra de Menezes, pela mediunidade de
Yvonne A. Pereira, um caso desses:
“Aterrorizado
ante as vinditas atrozes movidas pelos Espíritos de seus antigos amos de Lisboa,
o Espírito João-José preferiu ocultar-se numa encarnação de formas femininas,
esperançado de que, assim disfarçado, não pudesse ser reconhecido. Enganou-se,
porém, visto que sua própria organização psíquica atraiçoou-o, modelando
traços fisionômicos e anormalidades físicas idênticas aos que arrastara na
época citada.”
Uma vez
identificado o antigo devedor, mesmo sob formas femininas, desencadeou-se
sobre ele toda a tormenta da obsessão.
Temos
tido, em nossa experiência direta, casos semelhantes. Um foi particularmente
doloroso e aflitivo, porque os compromissos do obsidiado eram muito graves e
suas dívidas cármicas acusavam reincidências lamentáveis, que o deslocavam da
posição de ex-algoz para a de joguete impotente de implacáveis vingadores. Começamos
a cuidar dele, na esperança de minorar-lhe as dores, quando ainda encarnado.
Por algum tempo, conseguimos aliviar a pressão que se exercia, dia e noite,
sobre ele e sua família. Em nosso grupo, assistimos a um trágico e incessante
desfile de companheiros desarmonizados que enxameavam em torno dele, cada qual
mais revoltado e odiento. Seus compromissos eram tantos, e tão sérios, que não
conseguimos livrá-lo das suas dores, embora tenhamos alcançado, com a graça de
Deus, apaziguar muitos dos seus temíveis carrascos e atraí-los para as tarefas
de recuperação.
Como o
seu caso tinha implicações profundas com o nosso plano geral de trabalho,
segundo nos explicaram nossos mentores, tratamos dele por muito tempo ainda,
havendo neste livro várias referências esparsas sobre ele, com os cuidados
necessários para não identificá-lo.
Verdadeira
multidão de Espíritos atormentava este irmão, jovem ainda na carne. Ao que me
disse, certa vez, um de seus obsessores, custaram um pouco a identificá-lo em
sua nova roupagem. Uma vez, porém, localizado, reuniram-se em torno dele, num
cerco implacável, que durava as vinte e quatro horas do dia, aqueles que ainda
se sentiam com suas contas por ajustar com ele.
Seguiam-no
nos seus afazeres diários e o atormentavam durante o desprendimento do sono,
espetavam-lhe “agulhas” de todos os tamanhos, impunham-lhe longos períodos de
alienação, sopravam-lhe constantemente a idéia do suicídio, tomavam-lhe o
corpo, inúmeras vezes, para as
mais tresloucadas atitudes, para fugas, caminhadas,
crises de mutismo; postavam-se diante de sua visão espiritual, sob formas
monstruosas; neutralizavam o efeito de intensivo tratamento médico e
espiritual; indispunham-no com a família e descontrolavam-lhe o pensamento,
descoordenando-lhe as idéias.
Ao que
nos foi indicado, em tempos da Roma antiga, exerceu, com destaque, o poder, e
ajudou a desencadear uma das mais terríveis perseguições aos cristãos. É certo
que suas vítimas daquela época o perdoaram, se foram realmente seguidores fiéis
do Cristo. Mas, e os outros, que lhe guardaram rancor? A quantos teria ele
mandado tirar a vida, os bens, os amores, as esperanças, sem que estivessem
preparados para suportar essas perdas, com equilíbrio e resignação?
Ao cabo
de alguns anos de implacável perseguição de seus adversários, enceguecidos pelo
ódio, e a despeito de todo o cuidado de que foi cercado, o pobre companheiro
desencarnou tragicamente.
A
perseguição continuou, talvez ainda mais encarniçada, do outro lado da vida.
Estava agora mais exposto, mais acessível àabordagem de seus algozes, pois as
obsessões não se limitam a atingir os encarnados. Ao contrário, os
desencarnados são mais vulneráveis do que os encarnados, pois estes dispõem do
“esconderijo” do corpo físico e se acham beneficiados pelo esquecimento temporário
de suas faltas, o que, de certa forma, lhes dá alguma trégua, em virtude do
descondicionamento vibratório. A lembrança constante dos crimes que cometemos
nos mantém sintonizados com os perseguidores, e eles tudo fazem para que não
nos esqueçamos dos erros praticados. Enquanto estamos remoendo nossas faltas,
continuamos ligados aos obsessores.
Devemos,
então, esquecer de tudo, como se nada tivesse acontecido? Não, certamente. O
arrependimento, porém, tem que ser construtivo, ou seja, ele não deve
paralisar-nos. Cientes ou não da gravidade das nossas faltas — e, sem dúvida
alguma, praticamo-las abundantemente no passado — é imperioso que nos voltemos
para as tarefas de reconstrução interior, de dedicação ao semelhante que sofre,
de policiamento de nossas atitudes, palavras e pensamentos. É preciso orar,
servir, buscar reacender a chamazinha do amor, que existe em todos nós.
— Vai e não
peques mais — disse o Cristo.
Por muito
tempo se pensou que isso fosse apenas um tema sugestivo, para pregar sermões
bonitos; hoje sabemos da profunda realidade que encerra o ensino evangélico. O
Cristo sempre ligou o problema do sofrimento, físico ou espiritual, ao do erro.
— Estás
curado — diz Ele ao paralítico, a quem mandou tomar a sua cama e andar —, não
peques mais, para que não te suceda algo ainda pior. (João, 5:14.)
Dessa
forma, o erro — que os evangelistas chamam de pecado — acarreta o sofrimento,
a punição, o resgate. Não que tenhamos de nos redimir necessariamente através
do mecanismo da dor. A dor não é inevitável, porque o processo da libertação
pode dar-se também por meio do serviço ao próximo, do aperfeiçoamento moral, da
prece e da vigilància. Da mesma forma, aquele que foi ferido pelo seu
companheiro, por mais gravemente que o tenha sido, não deve nem precisa tomar a
vingança em suas mãos, para que o outro resgate a sua falta. A lei do
equilíbrio universal se incumbirá dele, senão hoje, no próximo século, ou no
próximo milênio, O resgate pode ser despersonalizado, isto é, ninguém deve nem
precisa arvorar-se em seu executor. Isto não significa que, ao sermos
ofendidos, devamos transferir o nosso impulso de vingança às leis de Deus. São
muitos os que não tomam realmente a vingança em suas mãos, mas pensam, na
intimidade do seu ser, com o mesmo rancor:
— Ele pagará!
É
verdade, ele pagará, seja com a moeda da dor, seja com a do amor, mas se
emitimos o nosso pensamento de vingança e ódio, continuamos ligados ao erro,
reassumimos os compromissos que poderíamos ter resgatado com aquela humilhação
ou aquele sofrimento, pois é certo que ninguém sofre por acaso, dado que não
há reparos dolorosos como forma de punição aos inocentes.
Neste
ponto, mais de uma lição encontramos, ainda e sempre, no Evangelho de Jesus. E
é por isso que nenhum trabalho de desobsessão, digno e sério, deve ser
intentado sem apoio nos ensinamentos do Cristo.
A questão
é tão Importante, tão vital à problemática do espírito, que Jesus a
imortalizou no texto da oração dominical, o Pai Nosso:
-“... perdoa-nos as nossas dívidas —
relata Mateus, 6:12 —, assim como perdoamos os nossos devedores..
No
versículo 14, desse mesmo capítulo, Jesus é ainda mais explícito:
— “Que se perdoardes aos homens as suas ofensas,
também vos perdoará o vosso Pai Celestial; mas se não perdoardes aos homens,
tampouco vosso Pai perdoará as vossas ofensas.”
Sob as
luzes da Doutrina Espírita, o texto adquire uma dimensão que antes não
havíamos notado. É que o perdão que concedemos àquele que nos feriu não lava o
ofensor do seu pecado, ou seja, da sua falta, mas libera o ofendido, que, com o
perdão, evita que se reabra o círculo vicioso do crime para resgatar o crime.
Nesse angustioso círculo de fogo e lágrimas, de revolta e dor, ficam presas,
por séculos e séculos, multidões eneeguecidas pelo ódio e nunca saciadas pela
vingança, pois a vingança não sacia coisa alguma, ela apenas junta mais lenha à
fogueira que arde.
Por muito
tempo achamos que toda essa doutrina do perdão fosse apenas um belo conjunto de
figuras de retórica. A Doutrina dos Espíritos veio propor-nos um entendimento
infinitamente mais racional e objetivo: o de que o perdão liberta. Não é uma
simples teoria, é uma verdade, que o Cristo nos ensinou, mas que tanto temos
relutado em experimentar.
Também
neste ponto tivemos, certa vez, uma experiência inesquecível. Um companheiro
desencarnado, em lamentável estado de desorientação, perseguido por uma
pequena multidão de implacáveis obsessores, acabou por ser recolhido pelos
trabalhadores do bem. Alguns de seus perseguidores foram tratados e reeducados
moralmente, como ensina Kardec. Outros se afastaram, por sentir que a vítima
punha-se fora de seu alcance. Alguns deles continuaram a ser levados ao grupo
de desobsessão, a fim de serem doutrinados, e, no desespero em que viviam,
descarregavam todo o seu rancor e agressividade sobre os componentes da equipe
de socorro, especialmente contra o doutrinador, por ser este o porta-voz,
aquele que fala e procura convencê-los a abandonar seus propósitos, que eles
julgam justíssimos.
Pois bem.
Certa noite, volta, para receber os nossos cuidados, o companheiro que havia
sido recolhido. Estava novamente em poder de um impiedoso hipnotizador, de quem
já o havíamos subtraído, a duras penas. Ele próprio confessou o seu drama:
recaira na faixa vibratória de seus perseguidores, ao deixar tombar as guardas
que o protegiam. No decorrer do diálogo revelou-se mais impaciente do que
nunca, exigindo, quase, solução imediata para o seu caso, pedindo a presença de
parentes, sem nenhum desejo de entregar-se à prece e, acima de tudo, pronto
para a vingança! “Assim que estivesse em condições” — e exatamente por isso não
conseguia alcançar tais condições — “ele”, o obsessor, “iria ver...”
Meu Deus,
como poderemos negar o perdão ao que nos feriu, se o exigimos para nós, exatamente
para as dores que resultaram da nossa imprudência em ferir os outros?
O obsidiado só pensa em livrar-se de seus
adversários, a qualquer preço, mas se esquece, ou ignora, que ele também está
em dívida perante a lei, pois, de outra maneira, não estaria sujeito à
obsessão, o obsessor, por sua vez, procura punir o companheiro que o fez
sofrer, deslembrado de que ele próprio criou, com a sua incúria, as condições
para merecer a dor que lhe é infligida. Julga-se no direito de cobrar,
pensando assim cumprir a lei de Deus, para que a “justiça” se faça. E, de fato,
a lei do equilíbrio universal coloca o ofensor ao alcance da punição, que é,
em suma, a oportunidade do reajuste. Por isso, dizia o nosso Paulo, em sua
penetrante sabedoria:
— Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém.
Com
freqüência, os perseguidos apresentam-se em nossos grupos, nos primeiros
momentos da libertação. Quantos dramas, Senhor! Vêm transidos de pavor,
cansados de prisões tenebrosas, fugindo de obsessões que lhes parecem terem durado
uma eternidade. Esgotaram todo o cálice de profundas amarguras, sofreram todos
os tormentos, passaram por todas as humilhações, submeteram-se a caprichos e
desmandos, cumpriram ordens iníquas.
Um desses
nos disse que estivera num dos calabouços infectos das trevas, onde nem chorar
podia. Passaram-se séculos. Só nos pôde dizer que foi um sacerdote e que traiu
alguém. Sente agora o peso de um enorme arrependimento e, quando convidado a
orar comigo, não tem coragem de dirigir-se a Deus, pois se julga o último dos
réprobos. A muito custo, consegue murmurar uma palavra:
- Jesus!...
E fala
baixinho, consigo mesmo:
— Que
sacrilégio, meu Deus!
Outro,
também egresso de um calabouço, não conseguia articular a palavra; fazia
entender-se por gestos. Trazia um peso na cabeça, que o obrigava a manter-se
curvado sobre si mesmo e, além de tudo, estava cego.
Um
terceiro apresenta-se com as “carnes” roídas pelos “ratos” e “baratas”, após um
longo período de reclusão.
Quase
todos trazem ainda no perispírito os estigmas de suas penas: cegueira,
deformações e mutilações, e, na mente, a lembrança de torturas e horrores
inconcebíveis.
Subitamente,
ao cabo de agonias seculares, durante as quais resgataram-se através da dor,
escapam à sanha de seus perseguidores, tornam-se inacessíveis aos seus
processos, evadem-se das masmorras e libertam-se do domínio magnético sob o
qual se encontravam. Em suma: a Lei disse o “Basta!” a que até mesmo o mais
terrível perseguidor tem de obedecer, ao assistir, impotente, à escapada da
vítima. Chegou ao fim o processo corretivo e reajustador. Antes, era
impossível: ninguém conseguiria interromper o curso da dor.
Este é o
exemplo vivo da experiência mediúnica. Espíritos superiores, e já redimidos,
seguem-nos os passos, até mesmo às profundezas da dor mais horrenda, sem
poderem interferir senão com uma prece, ou uma vibração amorosa, pois o pobre
companheiro transviado nem mesmo a presença dos amigos maiores pode perceber.
Chegado, porém, o momento, tudo se precipita. Os mensageiros do bem estão
apenas à espera de uma prece, ainda que somente esboçada, de um impulso de
arrependimento, de um gesto de boa-vontade ou de perdão. Lembram-se da
advertência do Cristo?
—
Reconcilia-te com teu adversário enquanto estás a caminho com ele, para que não
te arraste ele ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial de justiça, e este te
ponha no cárcere. Digo-te que não sairás de lá enquanto não tiveres pago o
último centavo.
Não está
bem claro?
E muitos
ainda acham que o Evangelho é só literatura... ou só poesia, ideal,
inatingível... Razão de sobra teve Kardec para optar pela adoção da moral
evangélica, pois há mais sabedoria e ciência nos textos ali preservados, do que
em todos os tratados de psicologia jamais escritos e nos que ainda se
escreverão. A problemática do ser humano, suas complexidades e seus mecanismos
de reajuste, estão inseparavelmente ligados aos conceitos fundamentais da
moral. Um dia, a psicologia e a psiquiatria descobrirão o Cristo.
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