O verdadeiro nome e autoria da "Oração de São Francisco"
Ao escrever o meu livro "O Reflexo do Cristo", sobre Francisco de Assis, uma coisa que me intrigou foi que, dentre os escritos que ele deixou, não aparecia a “Oração” que lhe leva o nome. Ao procurar o motivo, descobri: a oração não é de sua autoria, pelo menos enquanto encarnado. Ela apareceu pela primeira vez no jornal do Vaticano: l´Osservatore Romano, em 20 de janeiro de 1916 e, algum tempo depois, no jornal católico La Croix. O seu título era Oração pela paz, e o autor, o Marquês de La Rochetoulon, fundador do semanário Souvenir Normand, que a enviou ao papa Bento XV, junto com outras. Estava ocorrendo a Primeira Guerra Mundial e os religiosos conscientes buscavam amparo espiritual para que a matança, causada pela ambição dos poderosos empresários europeus, parasse. O Papa agradeceu através do seu secretário, e na missiva se revela que as orações eram endereçadas ao Sagrado Coração de Jesus. Algum tempo depois de publicada, um franciscano de Reims, na França, publicou um ”santinho” de São Francisco e, na parte de trás a Oração pela paz, de La Rochetoulon, com o seguinte comentário: essa oração resume os ideais franciscanos e, ao mesmo tempo, representa uma resposta às urgências de nosso tempo. Isto deve ter levado a se associar Francisco de Assis com a prece e, via de conseqüência, lhe atribuir a autoria, em prejuízo do autor real[1]. Francisco foi tomado, e tornou-se uma representação, do arquétipo da totalidade, por isso o Self da psiquê coletiva lhe associou uma produção do inconsciente coletivo, ignorando o real veículo dela. O Marquês de La Rochetoulon, autor de direito e de fato, da Oração, foi o médium das angústias da consciência coletiva de espíritos encarnados e desencarnados, naquele momento de dores do povo europeu; e, naturalmente, dos anseios de paz, generosidade e fraternidade que pulsa no inconsciente coletivo: anseio pelas benesses de um Paraíso julgado perdido, mito da fase inconsciente da alma, que ela sonha tornar realidade consciente, no agora de todos os tempos. O que disse acima não implica na negação de que a oração tenha sido inspirada pelo espírito de Francisco; mas a inspiração é um tipo de mediunidade na qual não se pode separar, com segurança, o que é do médium e o que é dos espíritos. Assim, minha admiração vai para o marquês, cuja sensibilidade pôde materializar um impulso arquetípico que polariza pessoas de diversos credos e nações. Este episódio ilustra o fato de como uma figura da dimensão de um Francisco de Assis tende a, mesmo sem o querer, ofuscar e se apropriar de trabalhos de outros menos ilustres. A apropriação foi via inconsciente coletivo, contra o que não se pode lutar. Embora eu prefira “dar a César o que é de César”, a Oração pela paz é um grande polarizador da consciência e do inconsciente coletivos; como qualquer oração, deve ser usada com devida emoção. Simplesmente recitar ou cantar a Oração pela paz, pode não produzir o efeito pretendido, e ser uma mera superficialidade. Mas, se aprofundada pela interiorização, num processo de imaginação ativa, a Oração do Marquês de La Rochetoulon nos faz entrar em conexão com a imago dei em nós, e usufruir as benesses que ela sempre proporciona (Anexo do meu livro: O Reflexo do Cristo: episódios da vida de Francisco de Assis). [1]
Dados retirados do livro: A Oração de São Francisco, 9ª edição, de Leonardo Boff, Editora Sextante, 1999.
Dados retirados do livro: A Oração de São Francisco, 9ª edição, de Leonardo Boff, Editora Sextante, 1999.
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