Melindrismo
“Toda a casa dividida contra si mesma não subsistirá”.
Jesus. (Mt., 12:25.)
Uma equipe de
Espíritos capitaneada pelo Dr. Bezerra de Menezes foi convocada a prestar
socorro de emergência em uma determinada Casa Espírita, não pelas condições
oferecidas pelos trabalhadores da Casa, mas pelos méritos da criatura que ia
receber o benefício.
Tratava-se de uma
senhora, portadora de um carcinoma em insidioso estágio de metástase, já
desenganada pelos médicos, vez que falharam todos os recursos da medicina
conhecida na Terra. A desencarnação fora prevista para dentro de no
máximo 1 ou 2 meses, segundo os prognósticos baseados nos exames realizados nos
sofisticadíssimos equipamentos de última geração. Fazia-se
urgente, então, o auxílio da medicina espiritual da qual nós, os encarnados,
estamos longe de avaliar a dimensão e a potencialidade dos recursos...
Os integrantes
da equipe à exceção do Dr. Bezerra de Menezes, já veterano das lides
socorristas, não disfarçavam a surpresa ao se depararem com a indigência
espiritual a que estava relegado aquele Centro Espírita.
Notava-se claramente queali abundavam as reuniões
mediúnicas e faltavam as reuniões de estudo. Os
trabalhadores eram extremamente personalistas e ciosos de suas respectivas
“sapiências e autoridades”. Por um “dá cá esta palha” implantava-se
a cizânia entre eles, dificultando a aproximação dos Espíritos do Senhor.
A maledicência campeava solta, à vontade, sem peias; a vigilância há muito já
havia batido em retirada...
Não sem
despender muita energia para assegurar um mínimo de equilíbrio e higiene no
ambiente, a tarefa foi concluída, por sinal com tão retumbante sucesso que até
hoje mantém abertas de perplexidade as bocas dos facultativos que
prognosticaram, sem apelação, a morte da paciente.
Na viagem de
volta aos páramos celestes, um neófito integrante da equipe espiritual, um
tanto reticente e tímido aproxima-se do bondoso Mentor e pergunta:
“Como é possível tanta dissidência e invigilância num agrupamento
de pessoas que dizem estar reunidas em nome de Jesus? É válida tal
“prática” de Espiritismo?
O “Médico dos Pobres”, com certa tristeza na
entonação de voz, respondeu paternalmente:
“Filho, infelizmente, muitas Casas Espíritas não nos oferecem a
mínima condição de trabalho em benefício dos sofredores da Terra.
Mas Jesus, sempre atento, em Sua infinita misericórdia oferece-nos os recursos
adicionais para vencermos a má-vontade dos encarnados, quando o beneficiário
dispõe de méritos que justifiquem a interferência do Mundo Maior.
Naquela Casa Espírita que acabamos de deixar não existe, na
verdade, a prática do Espiritismo, mas sim a prática do melindrismo,onde pululam os Espíritos malfazejos que estão todo o tempo
insuflando a acrimônia entre os “soi-disants”[1]
trabalhadores do Cristo, contumazes na invigilância”.
Recolhendo-se
em profundas reflexões o inexperiente neófito entregou-se a sentida oração em
favor dos “Espíritas Imperfeitos” que enxameiam nas hostes espiritistas.
No Mundo
Espiritual, em conversa com o Dr. Odilon Fernandes, Ramiro Gama obteve a
seguinte explicação[2]:
“(...) Existem Centros Espíritas que não se preocupam com reuniões
de estudo, apesar de promoverem reuniões mediúnicas a semana
inteira... Os diversos grupos de mediunidade, inclusive, chegam a
disputar entre si – médiuns contra médiuns, dirigentes contra dirigentes e,
pasmem, Espíritos contra Espíritos!...
E quando as desavenças existem entre os membros de um mesmo grupo
mediúnico? Aí é que a coisa se transforma num “prato cheio” onde os
obsessores se locupletam! A incompatibilidade entre os integrantes
de uma mesma equipe de serviço mediúnico acaba por atrair Espíritos que não
comungam as mesmas ideias. Assim como em uma casa espírita ocorrem
lamentáveis divisões, com grupos de tarefeiros se isolando uns dos outros, os
Espíritos, que nada mais são do que homens fora do corpo, também mutuamente se
rebelam, sustentando entre si intermináveis polêmicas doutrinárias...
Evidentemente que tais coisas ocorrem devido à falta de assimilação dos
ensinamentos de Jesus agravada pela falta de estudo
doutrinário. Os médiuns ficam tão preocupados em doutrinar os
Espíritos, que não se preocupam coma própria evangelização...
Aliás, nessas casas às quais nos referimos há mais mediunismo que
mediunidade. Em suas múltiplas reuniões, a mistificação e o
animismo campeiam, livres, induzindo à fascinação a maioria dos seus
componentes. Um templo Espírita bem orientado preocupa-se,
primeiro, em estruturar-se doutrinariamente; apenas quando os seus
integrantes revelem, da mediunidade, o mínimo de conhecimento necessário é que se
deve cogitar da formação de um grupo consagrado às atividades mediúnicas
propriamente ditas.
As maiores perturbações que pude conhecer assolando uma Casa
Espírita começaram justamente através da invigilância do que denominamos
reunião de desobsessão... Uma reunião mediúnica seja ela qual for,
pode, quando não bem orientada, ser uma porta escancarada para o desequilíbrio
do grupo onde medrarão infrenes as disputas, os ciúmes, inveja,
personalismo, etc... Se uma atividade mediúnica qualquer estiver perturbando
o bom andamento das demais atividades do Centro, é melhor que ela seja extinta
e que, em seu lugar, se crie uma reunião de estudos sistematizados da Doutrina
ou... nada. E que ninguém fique de consciência pesada, se
semelhante providência tiver de ser tomada...
Temos que ser apologistas da mediunidade com
responsabilidade. Os Espíritos irresponsáveis, que enxameiam
pelos caminhos da Terra, sentem-se extremamente à vontade nos Centros onde as
reuniões de mediunidade prevaleçam sobre as reuniões de estudo; já os
Espíritos esclarecidos frequentam com maior assiduidade os grupos onde haja uma
predominância do estudo que se alie à prática, ou seja, do
conhecimento teórico que se vincule à vivência do bem no cotidiano”.
Jesus foi
muito claro ao ensinar: (Mt., 5:38 a 42.)
“(...) Não resistais ao mal que vos queiram fazer; se alguém vos
bater na face direita, lhe apresenteis também a outra; se alguém quiser
pleitear contra vós, para vos tomar a túnica, também lhe entregueis o manto; se
alguém vos obrigar a caminhar mil passos com ele, caminheis mais dois mil”.
Desenvolvendo
este ensinamento de Jesus, o Mestre Lionês aduz[3]:
“(...) Dizendo que apresentemos a outra face àquele que nos haja
batido numa, disse Jesus sob outra forma, que não se deve pagar o mal com o
mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que seja de molde a lhe
abater o orgulho; que maior glória lhe advém de ser ofendido do que de ofender,
de suportar pacientemente uma injustiça do que de praticar alguma; que mais
vale ser enganado do que enganador, arruinado do que arruinar os
outros. É, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não passa de
uma manifestação de orgulho. Somente a fé na Vida futura e
na justiça de Deus, que jamais deixa impune o mal, pode dar ao homem forças
para suportar com paciência os golpes que lhe sejam desferidos nos interesses e
no amor-próprio. Daí vem o repetirmos
incessantemente: Lançai para diante o olhar; quanto mais vos
elevardes pelo pensamento, acima da vida material, tanto menos vos magoarão as
coisas da Terra”.
Ao
convidar-nos a“lançar para diante o olhar”, Kardec nos faz
reportar à belíssima página de Emmanuel, intitulada[4]:
A V A N C E M O S !...
Na estrada
cristã, somos defrontados sempre por grande número de companheiros que se
aquietaram à sombra da improdutividade, declarando-se acidentados por desastres
espirituais: É o trabalhador que se viu dilacerado pela incompreensão de
um amigo; é um missionário que se imobilizou à face da calúnia; é alguém que
lastima a deserção de um consócio da boa luta; é o operário que clama
indefinidamente contra a fuga da companheira que lhe não percebeu a dedicação
afetiva; é o idealista que espera uma fortuna material para dar início às
realizações que lhe competem; é a mulher que se enrola no cipoal da queixa
contra os familiares incompreensivos; é o colaborador que se escandaliza com os
defeitos do próximo, congelando as possibilidades de servir; é alguém que deplora
um erro cometido, menosprezando as bênçãos do tempo em remorso destrutivo...
O passado,
porém, se guarda a virtude das experiências, nem sempre é o melhor condutor da
Vida para o futuro. É imprescindível exumar o coração de todos os
envoltórios entorpecentes que, por vezes, nos amortalham a Alma.
Paulo de
Tarso, que conhecera terríveis aspectos do combate humano, na intimidade do
próprio coração, e que subiu às culminâncias do apostolado com o Cristo, nos
oferece roteiro seguro ao aprimoramento escrevendo fraternal carta à comunidade
de Filipos: “(...) Irmãos, quanto a mim, não julgo que
haja alcançado a perfeição, mas uma coisa faço, e é que esquecendo-me das
coisas que atrás ficam, avanço para as que se encontram diante de mim.
Esqueçamos todas as expressões inferiores do dia de ontem e
avancemos para os dias iluminados que nos esperam.”
Centralizemos
nossas energias em Jesus e caminhemos para diante.
Ninguém
progride sem renovar-se”.
reside na cidade mineira de Muriaé,
situada na Zona da Mata de Minas Gerais. Jornalista por formação, Rogério
Coelho já exerceu diversas funções dentro de casas espíritas, desde secretário
até diretor do departamento. Atualmente, preside a Sociedade Muriaeense de
Estudos Espíritas e prossegue incansável na divulgação do Espiritismo na
tribuna e por meio de jornais e vários periódicos espíritas nacionais e
estrangeiros, incluindo-se aí “O Clarim”, a “Revista Internacional do
Espiritismo”, ambos de Matão-SP, “O Reformador”, da FEB; “Presença Espírita” da
Mansão do Caminho, de Salvador; entre outros.
Autor do livro Visão Espírita
do Evangelho.
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