Dialogo com as Sombras 2ª PARTE - (18,19) O MATERIALISTA
18 - O MATERIALISTA
Este não constitui problema difícil, no trabalho de esclarecimento. Viveu,
na carne, convicto de que além da matéria nada existe; de que, além da morte,
só há o silêncio e a escuridão do não-ser. Às vezes, tais posições foram
meramente filosóficas, isto é, platônicas. A despeito da descrença em qualquer
tipo de realidade póstuma, não foram intrinsecamente maus, apenas desencantados,
indiferentes, desarvorados intimamente, embora, na aparência, seguros e
tranqüilos. São mais acessíveis, e mais prontamente aceitam a nova realidade.
Outros, porém, são daqueles que, descrentes
da vida espiritual, entregaram-se de corpo e alma ao culto desenfreado da ma
téria. Ao contrário dos teóricos do materialismo, estes são os que o praticam,
em todos os sentidos. Disputaram fortunas a ferro e fogo, intrigando, matando,
se preciso fosse, promovendo negociatas, roubando, falsificando, ao mesmo tempo
em que se deixaram arrastar pelo sensualismo pesado, que avilta todos os
sentidos e anestesia cada vez mais as faculdades e a sensibilidade. Para
estes, nada é sagrado, nada importa, senão a satisfação de suas ambições, de
seus desejos, de suas vontades.
A objetiva realidade da vida póstuma põe-nos em estado de total confusão.
Alguns deles, endurecidos nas suas convicções, continuam a viver no mesmo
clima de maquinações e articulações, ainda presos aos seus interesses terrenos,
perseguindo aqueles encarnados e desencarnados que se atravessaram no seu
caminho. Geralmente desejam a volta à carne, pois somente nela se sentem
relativamente felizes, não apenas pelo esquecimento de suas misérias íntimas,
mas porque lhes proporciona os prazeres mais grosseiros a que se habituaram.
Em outros, o choque desperta para uma condição que eles não poderiam jamais
admitir sem o impacto da desencarnação. Quando incorporados aos médiuns, embora
confusos, a princípio, acabam por reconhecer que continuam vivos depois da “morte”,
pois estão pensando e falando, vendo e sentindo, através de um corpo que,
evidentemente, não é o seu. Lembram-se das doenças que tiveram, mas se recusam
a admitir que “morreram”, porque isto implicaria reconhecer que o materialismo
que professavam éinteiramente falso. A relutância é, ainda, vaidade. Preferem
continuar negando, por algum tempo, do que admitirem, honestamente, que foram
ludibriados por sua própria descrença na verdade superior.
É preciso conduzi-los com tato e paciência. A súbita e inoportuna
revelação da nova condição em que se encontram, poderá colocá-los em lamentável
estado de choque emocional. Temos que compreender que é difícil àquele que não
acredita na sobrevivência admitir que, a despeito da descrença em si mesmo,
ele sobreviveu.
Em “Reformador” de setembro de 1975, no artigo “Lendo e Comentando”, está
relatado um caso desses, tratado com extrema habilidade e carinho por uma
excelente doutrinadora inglesa. O Espírito, por nome Tom, vivera agarrado aos
seus bens e, especialmente, ao seu ouro, e, na sua imaginação, continuava a
manipular as moedas, no mundo espiritual, totalmente desligado da nova
realidade que vivia. Aos poucos, vai sendo conduzido a admiti-la.
19 - O INTELECTUAL
Nem sempre é materialista. A escala cromática aqui é ampla e variada.
Encontramo-los de todos os feitios, variedades e tendências. Há-os descrentes,
indiferentes, materialistas, espiritualistas, religiosos ou não. Foram
escritores, sacerdotes, artistas, poetas, médicos, advogados, nobres, ricos,
pobres. Quase sempre se deixaram dominar por invencível vaidade, fracassando
na provação da inteligência.
No binômio cérebro/coração, no qual o homem deve buscar equilíbrio,
deixaram disparar na frente um dos componentes, em sacrifício do outro.
Brilhantes, demoram-se na doce e venenosa contemplação narcisista da própria
inteligência, fascinados pelos seus mecanismos, sua engenhosidade e os belos
pensamentos que produzem. Julgam-se geniais — e muitas vezes o são mesmo. São
bons argumentadores e, quando movidos para objetivos bem definidos, tornam-se
verdadeiramente difíceis de serem despertados, pois se acham solidamente
convencidos do poder e da força das suas próprias fantasias, suas doutrinas,
seus sofismas e suas auto-justificações.
Vemo-los, às vezes, na condição de ex-sacerdotes também, como exímios
criadores de tais sofismas. Estudaram profundamente os Evangelhos e a teologia
ortodoxa. Leram os seus filósofos, escreveram tratados, pregaram sermões
belíssimos, do ponto de vista literário, e tanto consolidaram suas construções,
que acabaram acreditando nelas. São estes que constituem o diálogo mais
difícil para o doutrinador. Não se exaltam, nem dão murros. Parecem, mesmo,
suaves e tranqüilos. Têm respostas prontas e engenhosas para tudo, fazem
perguntas bem formuladas, procurando confundir, para desarvorar o
interlocutor.
Ao cabo de algum tempo de observação atenta, descobrimos que o
intelectualismo é como qualquer outra forma de fuga; é também um esconderijo,
para o Espírito que reluta em enfrentar uma realidade dolorosa.
Se conseguirmos restabelecer o vínculo, que sempre deverá existir, entre
cabeça e coração, estaremos a caminho de ajudá-lo. Narrarei um caso prático,
para ilustrar o que desejo dizer com isso.
O companheiro apresentou-se irônico, aparentemente muito seguro de si. É
culto, inteligente, bom sofista, versado em filosofia, em teologia e até mesmo
nos textos evangélicos, que cita com a maior facilidade e propriedade.
Conversamos longamente, e ele não perde oportunidade de ridicularizar-me, ante
minha pobreza intelectual e cultural. Num momento de incontida irritação,
chama-me de débil mental e idiota, mas logo se contém, ao ser chamado àatenção
por um companheiro desencarnado de mais elevada hierarquia, como depois
verificamos.
Mesmo com a voz pausada, deixa escapar suas terríveis ameaças, dizendo que
nosso barco vai virar e seremos empurrados para o fundo, com barco e tudo.
— Dessa vez — diz ele — não vai ser fácil. Você vai cair do galho, macaco!
Segundo diz, há muito me segue e tem vontade de dizer algumas verdades na
minha cara, porque ainda tenho muito do homem velho, com o que concordo
plenamente. Não sabe por que não as diz, pois está certo de que, se isso
acontecesse, naquela mesma noite o grupo estaria liquidado. (Está, certamente,
sentindo os controles do médium.) Fala do cerco que me vem fazendo, até mesmo
nas minhas atividades profissionais, e refere episódios verídicos, para
demonstrar sua familiaridade com o que diz respeito à minha vida particular.
Conclui dizendo que, há tempos, quase conseguiram derrubar-me. (Há sempre um
quase, na bondade infinita de Deus, quando nos empenhamos na tarefa abençoada
de servir.)
Ao cabo de longa conversa, despede-se, algo sonolento, mas firme nas suas
convicções. Oro por ele durante toda a semana e, na reunião seguinte, ele
volta.
Não está mais tão irônico e seguro de si, como da primeira vez. Perdeu a
aparente serenidade, revelando-se profundamente irritado, furioso mesmo,
ameaçador, agressivo, impaciente. Deve ser por causa da perda do valoroso
companheiro que na semana anterior o advertira, quando me chamou de débil
mental e que, com a graça de Deus, conseguimos despertar.
Declara-se um líder, e que, se eu tivesse visão espiritual, veria que todos
os seus companheiros estão ali, atrás dele, como um bloco. Estão prontos e
dispostos a desencadear a luta. As ameaças são terríveis, mas sinto-o mais
desesperado do que rancoroso. Diz que transpusemos todas as barreiras e que é
preciso um basta final.
Enquanto conversamos, outro médium do grupo avisa-me que ouve bimbalhar de
sinos e, em seguida, sons de órgão. Ele também ouve, mas recusa-se a reconhecer
a situação, que, obviamente, teme, e insiste em retomar o debate
filosófico-religioso. É a fuga desesperada ante toda e qualquer aproximação da
emoção, que não seja o frio jogo de palavras a que está habituado e que o anestesia
espiritualmente.
De vez em quando, dirige-se, irritado, a alguém invisível, que lhe cita
trechos evangélicos. Em uma dessas, diz, nervoso:
— Eu
sei. 4:19, Primeira aos Coríntios. (1)
Segundo me diz o outro médium, a música prossegue a vibrar dentro dele. A
essa altura, ele começa a apalpar o seu médium: a face, os olhos e o corpo,
demorando-se nas mãos. Começa sutilmente a crise. Ele conclui, em voz alta, que
são mãos de um organista (que o médium foi, realmente, em antiga encarnação,
na Alemanha). Pouco depois, ainda irritado, ante minha evidente falta de
acuidade, diz-me que é cego! E mesmo assim domina, é um líder!, informa,
satisfeito consigo mesmo. Sinto por ele uma compaixão infinita e me dirijo a
ele com ternura, como se a pedir-lha que me perdoe por não ter notado isso
antes. Pergunto se permite que tentemos curá-lo, e ele recusa energicamente.
A essa altura, não consegue mais evitar que a música domine todo o seu ser.
Fala sobre acordes que lhe causam verdadeiros choques. A crise aprofunda-se e
ele ouve agora, irresistivelmente, a música sublime de um organista
incomparável. Tenta desesperadamente fugir dela, tapa os ouvidos, bate com os
cotovelos na mesa, cantarola uma canção, e diz a si mesmo:
— Reaja,
frouxo!
Mas a torrente daquela música divina, que ele tem o privilégio de ouvir,
arrasta-o irresistivelmente. Segundo me informam
(1) “Mas, Irei logo onde estais, se
for da vontade do Senhor; o então, conhecerei, não a palavra desses orgulhosos,
mas o seu poder.”
do mundo espiritual, ele costumava ouvir os
recitais sempre do mesmo lugar, na terceira fila à direita. Digo-lhe isso,
enquanto ele parece também reconhecer, daquele tempo, o seu médium atual.
Por fim, graças a Deus, a emoção daquela música inesquecível domina-o
inapelavelmente. Está arrasado e murmura:
— Ele
é um monstro... Tudo nele é grande.. -
Refere-se, por certo, ao organista que, do invisível, toca para ele neste
momento. Logo a seguir, começa a chorar, vencida pela emoção que há tanto
sufocou em seu coração generoso. A música que ele amava, e compreendia como
poucos, foi o instrumento sutil que a misericórdia divina utilizou para
restabelecer o perdido contacto entre coração e mente, que andavam divorciados.
Trato-o com infinito carinho e amor fraterno, e quando lhe peço perdão pela
dor que lhe causamos naquela crise necessária, ele retruca, entre irritado e
confuso:
— Não
peça perdão, seu tolo!
Em seguida parte, ainda em pranto e com a visão recuperada.
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