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22 de jun. de 2012

Dialogo com as Sombras 2ª PARTE - (18,19) O MATERIALISTA










18 - O MATERIALISTA 

Este não constitui problema difícil, no trabalho de esclareci­mento. Viveu, na carne, convicto de que além da matéria nada existe; de que, além da morte, só há o silêncio e a escuridão do não-ser. Às vezes, tais posições foram meramente filosóficas, isto é, platônicas. A despeito da descrença em qualquer tipo de realidade póstuma, não foram intrinsecamente maus, apenas desencantados, indiferentes, desarvorados intimamente, embora, na aparência, se­guros e tranqüilos. São mais acessíveis, e mais prontamente aceitam a nova realidade.
Outros, porém, são daqueles que, descrentes da vida espiri­tual, entregaram-se de corpo e alma ao culto desenfreado da ma téria. Ao contrário dos teóricos do materialismo, estes são os que o praticam, em todos os sentidos. Disputaram fortunas a ferro e fogo, intrigando, matando, se preciso fosse, promovendo negociatas, roubando, falsificando, ao mesmo tempo em que se deixaram arras­tar pelo sensualismo pesado, que avilta todos os sentidos e anes­tesia cada vez mais as faculdades e a sensibilidade. Para estes, nada é sagrado, nada importa, senão a satisfação de suas ambições, de seus desejos, de suas vontades.
A objetiva realidade da vida póstuma põe-nos em estado de total confusão. Alguns deles, endurecidos nas suas convicções, con­tinuam a viver no mesmo clima de maquinações e articulações, ainda presos aos seus interesses terrenos, perseguindo aqueles en­carnados e desencarnados que se atravessaram no seu caminho. Geralmente desejam a volta à carne, pois somente nela se sentem relativamente felizes, não apenas pelo esquecimento de suas mi­sérias íntimas, mas porque lhes proporciona os prazeres mais gros­seiros a que se habituaram.
Em outros, o choque desperta para uma condição que eles não poderiam jamais admitir sem o impacto da desencarnação. Quando incorporados aos médiuns, embora confusos, a princípio, acabam por reconhecer que continuam vivos depois da “morte”, pois estão pensando e falando, vendo e sentindo, através de um corpo que, evidentemente, não é o seu. Lembram-se das doenças que tiveram, mas se recusam a admitir que “morreram”, porque isto implicaria reconhecer que o materialismo que professavam éinteiramente falso. A relutância é, ainda, vaidade. Preferem continuar negando, por algum tempo, do que admitirem, honestamen­te, que foram ludibriados por sua própria descrença na verdade superior.
É preciso conduzi-los com tato e paciência. A súbita e inopor­tuna revelação da nova condição em que se encontram, poderá colocá-los em lamentável estado de choque emocional. Temos que compreender que é difícil àquele que não acredita na sobrevivên­cia admitir que, a despeito da descrença em si mesmo, ele sobre­viveu.
Em “Reformador” de setembro de 1975, no artigo “Lendo e Comentando”, está relatado um caso desses, tratado com extrema habilidade e carinho por uma excelente doutrinadora inglesa. O Espírito, por nome Tom, vivera agarrado aos seus bens e, especialmente, ao seu ouro, e, na sua imaginação, continuava a mani­pular as moedas, no mundo espiritual, totalmente desligado da nova realidade que vivia. Aos poucos, vai sendo conduzido a admiti-la.


19 - O INTELECTUAL

Nem sempre é materialista. A escala cromática aqui é ampla e variada. Encontramo-los de todos os feitios, variedades e tendên­cias. Há-os descrentes, indiferentes, materialistas, espiritualistas, religiosos ou não. Foram escritores, sacerdotes, artistas, poetas, médicos, advogados, nobres, ricos, pobres. Quase sempre se dei­xaram dominar por invencível vaidade, fracassando na provação da inteligência.
No binômio cérebro/coração, no qual o homem deve buscar equilíbrio, deixaram disparar na frente um dos componentes, em sacrifício do outro. Brilhantes, demoram-se na doce e venenosa contemplação narcisista da própria inteligência, fascinados pelos seus mecanismos, sua engenhosidade e os belos pensamentos que produzem. Julgam-se geniais — e muitas vezes o são mesmo. São bons argumentadores e, quando movidos para objetivos bem defi­nidos, tornam-se verdadeiramente difíceis de serem despertados, pois se acham solidamente convencidos do poder e da força das suas próprias fantasias, suas doutrinas, seus sofismas e suas auto-justificações.
Vemo-los, às vezes, na condição de ex-sacerdotes também, como exímios criadores de tais sofismas. Estudaram profundamente os Evangelhos e a teologia ortodoxa. Leram os seus filósofos, escre­veram tratados, pregaram sermões belíssimos, do ponto de vista literário, e tanto consolidaram suas construções, que acabaram acre­ditando nelas. São estes que constituem o diálogo mais difícil para o doutrinador. Não se exaltam, nem dão murros. Parecem, mesmo, suaves e tranqüilos. Têm respostas prontas e engenhosas para tudo, fazem perguntas bem formuladas, procurando confun­dir, para desarvorar o interlocutor.
Ao cabo de algum tempo de observação atenta, descobrimos que o intelectualismo é como qualquer outra forma de fuga; é também um esconderijo, para o Espírito que reluta em enfrentar uma rea­lidade dolorosa.
Se conseguirmos restabelecer o vínculo, que sempre deverá exis­tir, entre cabeça e coração, estaremos a caminho de ajudá-lo. Nar­rarei um caso prático, para ilustrar o que desejo dizer com isso.
O companheiro apresentou-se irônico, aparentemente muito se­guro de si. É culto, inteligente, bom sofista, versado em filosofia, em teologia e até mesmo nos textos evangélicos, que cita com a maior facilidade e propriedade. Conversamos longamente, e ele não perde oportunidade de ridicularizar-me, ante minha pobreza intelec­tual e cultural. Num momento de incontida irritação, chama-me de débil mental e idiota, mas logo se contém, ao ser chamado àatenção por um companheiro desencarnado de mais elevada hie­rarquia, como depois verificamos.
Mesmo com a voz pausada, deixa escapar suas terríveis amea­ças, dizendo que nosso barco vai virar e seremos empurrados para o fundo, com barco e tudo.
— Dessa vez — diz ele — não vai ser fácil. Você vai cair do galho, macaco!
Segundo diz, há muito me segue e tem vontade de dizer al­gumas verdades na minha cara, porque ainda tenho muito do homem velho, com o que concordo plenamente. Não sabe por que não as diz, pois está certo de que, se isso acontecesse, naquela mesma noite o grupo estaria liquidado. (Está, certamente, sentindo os controles do médium.) Fala do cerco que me vem fazendo, até mesmo nas minhas atividades profissionais, e refere episódios ve­rídicos, para demonstrar sua familiaridade com o que diz respeito à minha vida particular. Conclui dizendo que, há tempos, quase conseguiram derrubar-me. (Há sempre um quase, na bondade infi­nita de Deus, quando nos empenhamos na tarefa abençoada de servir.)
Ao cabo de longa conversa, despede-se, algo sonolento, mas firme nas suas convicções. Oro por ele durante toda a semana e, na reunião seguinte, ele volta.
Não está mais tão irônico e seguro de si, como da primeira vez. Perdeu a aparente serenidade, revelando-se profundamente irritado, furioso mesmo, ameaçador, agressivo, impaciente. Deve ser por causa da perda do valoroso companheiro que na semana anterior o advertira, quando me chamou de débil mental e que, com a graça de Deus, conseguimos despertar.
Declara-se um líder, e que, se eu tivesse visão espiritual, veria que todos os seus companheiros estão ali, atrás dele, como um bloco. Estão prontos e dispostos a desencadear a luta. As amea­ças são terríveis, mas sinto-o mais desesperado do que rancoroso. Diz que transpusemos todas as barreiras e que é preciso um basta final.
Enquanto conversamos, outro médium do grupo avisa-me que ouve bimbalhar de sinos e, em seguida, sons de órgão. Ele também ouve, mas recusa-se a reconhecer a situação, que, obviamente, teme, e insiste em retomar o debate filosófico-religioso. É a fuga deses­perada ante toda e qualquer aproximação da emoção, que não seja o frio jogo de palavras a que está habituado e que o anes­tesia espiritualmente.
De vez em quando, dirige-se, irritado, a alguém invisível, que lhe cita trechos evangélicos. Em uma dessas, diz, nervoso:
— Eu sei. 4:19, Primeira aos Coríntios. (1)
Segundo me diz o outro médium, a música prossegue a vibrar dentro dele. A essa altura, ele começa a apalpar o seu médium: a face, os olhos e o corpo, demorando-se nas mãos. Começa sutilmente a crise. Ele conclui, em voz alta, que são mãos de um orga­nista (que o médium foi, realmente, em antiga encarnação, na Ale­manha). Pouco depois, ainda irritado, ante minha evidente falta de acuidade, diz-me que é cego! E mesmo assim domina, é um líder!, informa, satisfeito consigo mesmo. Sinto por ele uma com­paixão infinita e me dirijo a ele com ternura, como se a pedir-lha que me perdoe por não ter notado isso antes. Pergunto se permite que tentemos curá-lo, e ele recusa energicamente.
A essa altura, não consegue mais evitar que a música domine todo o seu ser. Fala sobre acordes que lhe causam verdadeiros choques. A crise aprofunda-se e ele ouve agora, irresistivelmente, a música sublime de um organista incomparável. Tenta desespe­radamente fugir dela, tapa os ouvidos, bate com os cotovelos na mesa, cantarola uma canção, e diz a si mesmo:
— Reaja, frouxo!
Mas a torrente daquela música divina, que ele tem o privi­légio de ouvir, arrasta-o irresistivelmente. Segundo me informam

(1) “Mas, Irei logo onde estais, se for da vontade do Senhor; o então, conhecerei, não a palavra desses orgulhosos, mas o seu poder.”

do mundo espiritual, ele costumava ouvir os recitais sempre do mesmo lugar, na terceira fila à direita. Digo-lhe isso, enquanto ele parece também reconhecer, daquele tempo, o seu médium atual.
Por fim, graças a Deus, a emoção daquela música inesquecível domina-o inapelavelmente. Está arrasado e murmura:
— Ele é um monstro... Tudo nele é grande.. -
Refere-se, por certo, ao organista que, do invisível, toca para ele neste momento. Logo a seguir, começa a chorar, vencida pela emoção que há tanto sufocou em seu coração generoso. A música que ele amava, e compreendia como poucos, foi o instrumento sutil que a misericórdia divina utilizou para restabelecer o perdido contacto entre coração e mente, que andavam divorciados.
Trato-o com infinito carinho e amor fraterno, e quando lhe peço perdão pela dor que lhe causamos naquela crise necessária, ele retruca, entre irritado e confuso:
— Não peça perdão, seu tolo!
Em seguida parte, ainda em pranto e com a visão recuperada.

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