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17 de abr. de 2012

O Papel do Jurista Espírita







Qual seria o papel do jurista espírita? A resposta a essa questão exige, necessária e previamente, uma reflexão, ainda que ligeira, sobre a justiça. A justiça, no seu sentido amplo, constitui um dos aspectos mais delicados da vida, pois a todo momento estamos tomando decisões que interferem direta ou indiretamente nos destinos dos nossos semelhantes. O que é ser justo? Que critérios devemos adotar para atingir a verdadeira justiça, seja num simples diálogo, no trabalho, nos negócios, na família, na religião, nas relações forenses institucionais, enfim, nas relações sociais em geral? O advento da justiça como instituição é produto da evolução do homem.
Veio para substituir o desforço, a vingança, para que não prevaleça a vontade do mais forte pelo exercício arbitrário das próprias razões. A despeito do progresso alcançado pelas instituições, a deflagração do processo judicial, do ponto de vista psicológico, continua assemelhando-se a uma declaração de guerra, em que se estabelece o confronto entre as partes, no qual se utiliza como armas o complexo aparato jurídico do Estado, e, tal como acontece no combate bélico, sabe-se como começa, mas não se sabe como nem quando termina.
Será muito difícil, senão impossível, atender à demanda de processos que aumenta assustadoramente, enquanto prevalecer a cultura da competição litigiosa ou adversarial predominante, que impera, até mesmo, entre os próprios jurisdicionados. O fato é que, com a multiplicidade dos problemas gerados pela vida moderna, que afetam continuamente as relações interpessoais, sentiu-se a necessidade de se aprimorar o modelo atual  de justiça, que já não mais atende às demandas sociais dos tempos coevos. A justiça, na definição herdada dos povos antigos, de cunho pragmático, é a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. A nosso ver, a acepção dada pelos Espíritos é mais abrangente e precisa: “A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um”,1 para que cada um receba de acordo com seu merecimento.
Portanto, logo se percebe que a base da justiça autêntica não está nas leis falíveis e transitórias dos homens, embora estas sejam vitais para atender às necessidades evolutivas da sociedade em determinado momento. Existe todo um arcabouço de princípios, que repousa sobre a Lei Natural, alicerce de todo o edifício moral, que é a lei de Deus, a única verdadeira para a felicidade do homem, que lhe indica “o que deve fazer ou não fazer”, a qual mostra que “ele só é infeliz porque dela se afasta”.2 Instados por Kardec a dizerem onde estaria escrita a Lei de Deus, os Espíritos responderam: “Na consciência”.3 Em vista disso, o sentimento de justiça é inato no homem, que se revolta com a simples ideia de uma injustiça. Esse sentimento, porém, necessita de ser aprimorado e desenvolvido pelo progresso moral, que se dá pelo estudo das leis divinas e pela prática do bem, para que o sentimento de justiça natural não se misture às paixões que induzem os homens ao erro.
A justiça humana constitui pálido reflexo da Justiça Divina, porque, ao contrário desta, seus postulados são mutáveis e nem sempre estão em harmonia com as leis naturais, refletindo costumes e caracteres da sociedade de uma determinada época, em que os detentores do poder quase sempre legislam em causa própria. Jesus legou-nos a base da justiça real, consagrada na imorredoura lição: “Desejai para os outros o que quereríeis para vós mesmos”.4 Ensinou-nos que Deus imprimiu no coração do homem essa regra áurea, fazendo com que cada um deseje ver respeitados os seus direitos.
É que, em condições normais, ninguém desejaria o próprio mal. De fato, trata-se de um princípio universal. Se fosse compreendido e observado fielmente, bastaria às constituições dos povos adotá-lo como único artigo, o que já seria suficiente para arrebatar todos os códigos humanos perecíveis. Felizmente, nos últimos tempos, algumas ações vêm sendo tomadas pelas autoridades constituídas, com vistas a superar o anacronismo da justiça humana. Há, por exemplo, iniciativas legais e paralegais que incentivam a conciliação, a arbitragem, a negociação, a mediação e a justiça restaurativa, estas duas últimas consideradas por alguns especialistas como a justiça do futuro. Busca-se, com essas medidas, mitigar a presença do Estado nos litígios, auxiliando os contendores a encontrarem por si mesmos a solução dos conflitos, porque se firma cada vez mais o entendimento de que os cidadãos são, em última instância, os responsáveis pela construção do próprio destino.
Entregando parcela desse poder ao próprio cidadão, ele “recupera sua independência e o controle de sua vida pessoal, social e produtiva, num convívio mais racional, adulto e pacífico, trazendo a necessária liberdade e paz social que todos [desejamos]”.5 Sem uma reestruturação ampla nas instituições, em todos os âmbitos, que também passa pela transformação moral do ser humano, continuaremos combatendo os efeitos e não as causas desses e de outros problemas. Essa reestruturação, mais do que a modificação das leis, exige um trabalho de conscientização e educação da sociedade, no afã de obter a adesão de todos os operadores do Direito e dos próprios jurisdicionados, que devem ser estimulados a abandonar a crença ingênua de que o Estado é capaz de resolver todos os seus problemas. Nossa época não mais admite a mística do jurista sob a máscara do Direito que, por exemplo, reclama da morosidade da Justiça quando patrocina os direitos do autor, mas se prevalece do aparato legislativo para protelar o andamento das causas, quando patrocina os direitos do réu, congestionando os tribunais, com desprestígio para o sistema judiciário.
O papel do jurista espírita não difere do exercido pelos demais juristas não espíritas (religiosos ou não), isto é, ser o mediador do Direito, com um diferencial: colocar seus conhecimentos jurídicos a serviço da sociedade, na prevenção, na conciliação e na solução de conflitos, conhecimentos esses iluminados pelos princípios da Doutrina Espírita, com destaque para O Evangelho segundo o Espiritismo aplicado a si mesmo, em primeiro lugar. A moral, como se sabe, é a conduta submetida a valores éticos que dizem respeito ao  dever, cumprido sem coação. O jurista espírita será respeitado não pelos conhecimentos jurídicos que acumule, mas sim pelo bom uso que fizer deles, sem intuitos proselitistas e pruridos reformistas. Proféticas são as palavras de que “o homem do futuro não terá direitos , mas sim  deveres, porque bastará o cumprimento recíproco desses deveres, para assegurar a convivência pacífica e harmoniosa da coletividade”.6 Para agirmos de acordo com a lei de Deus, sejamos ou não juristas espíritas, a solução é a prática do amor ao próximo, isto é, da benevolência para com todos, da indulgência (ou seja, da compreensão) para as imperfeições dos outros (o que não significa cumplicidade com o erro), do perdão às ofensas, enfim, da prática da caridade como a entendia Jesus,7 o que nos abre a oportunidade de compreender, com maior amplitude, os sofrimentos e os problemas humanos, permitindo equacionálos sob outros paradigmas que não apenas o econômico. Essa não é uma tarefa fácil nem simples, todos sabemos.
Mas é preciso dar o primeiro passo, é preciso começar. O jurista espírita não deve se contentar em ser apenas mediador do Direito, deve imbuir-se do desejo sincero de vivenciar os princípios espíritas no exercício da profissão, colocando seus conhecimentos jurídicos a serviço da sociedade, na prevenção, na conciliação e na solução de conflitos, numa expressão, na busca da pacificação social. Quando reinar a justiça verdadeira em nossos corações, não haverá mais necessidade de tribunais na Terra, porque aí seremos juízes de nós mesmos, e então haverá justiça para todos.
Christiano Torchi 

1 KARDEC, Allan. O 
livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 875.
2 Idem, ibidem. Q. 614.
3 Idem, ibidem. Q. 621.
4 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 876.
5 VEZZULLA, Juan Carlos.Teoria e prática da mediação. 2. ed. Curitiba: Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, 1998. p. 16.
6 SILVA, Manoel Emygdio da. Síntese monista : uma ideia nasce. Brasília: Legenda, 1973. p. 87.
7 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 886.

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