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31 de out. de 2013

O Espiritismo em Moçambique




 

Élide Maria Correa Carneiro, dirigente da União Espírita de Moçambique,recentemente unida ao Conselho Espírita Internacional (CEI), oferece informações históricas e atuais sobre o Espiritismo naquele país lusófono africano

Reformador: Como surgiu o Espiritismo em Moçambique?

Élide:
Relendo os documentos da época, e de acordo com as informações dos Srs. Maria Irene dos Santos Guião e António de Pina Gouveia, a primeira vez que se falou em público sobre Doutrina Espírita em Moçambique foi em 1971, quando Divaldo Pereira Franco esteve em Moçambique, de 15 a 18 de agosto, e falou na Sociedade de Estudos de Lourenço Marques.1 A primeira palestra teve como tema “Os órfãos”.

É interessante notar que a cada palestra de Divaldo o Ginásio de Esportes se enchia mais, apesar das fortes restrições do tempo colonial. Logo após a palestra,Divaldo Franco seguiu para Nampula, província ao norte de Moçambique, onde realizou outra conferência pública, e depois partiu para Luanda, Angola. As autoridades da época colonial opunham franca e total hostilidade à criação de uma organização espírita, desde criar dificuldades para a apresentação das palestras de Divaldo até a proibição de importar e circular livros. Existia, à época, inclusive, uma lista de livros proibidos onde constavam todos os de Allan Kardec. Foi a partir desta visita de Divaldo Franco, quando sua palavra acendeu a chama da Nova Revelação, que se assistiu ao movimento de união entre os espíritas de Moçambique, dando origem às primeiras e discretas reuniões realizadas em casas particulares Os irmãos espíritas começam também, a esta altura, com as visitas fraternas aos Hospitais da Machava e dos Hansenianos.

Reformador: E os primeiros grupos espíritas?

Élide:
Ainda em 1971, ao se comunicar por intermédio de Divaldo Franco, o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes incitou à união e formação de um grupo espírita em Lourenço Marques, hoje Maputo, orientação que foi acatada pelo irmão António de Pina Gouveia. Naquele momento, Divaldo Franco informou, ao então grupo nascente, que se lhe identificaram o Beato João de Brito, Coronel Faure da Rosa, Frei Bartolomeu dos Mártires, Dr. Sousa Martins e Vivekananda como os assistentes permanentes nos trabalhos de doutrinação, tratamento e auxílio.
Assim, após alguns anos de luta para obter a autorização oficial com vistas à criação do primeiro Centro Espírita de Moçambique, finalmente foi inaugurada, em 22 de agosto de 1974, a sua sede na Av. 24 de Julho, no 1.921. O primeiro nome do grupo foi Templo de Jesus – Caridade e Amor.
Depois de algum tempo, e por razões diversas, o grupo inicial separou-se e o irmão Pina Gouveia conseguiu alugar a casa da Rua Alfredo Keil, no 12, em Maputo, local onde até hoje funcionamos, dando origem ao grupo do qual mais tarde surgiu a Comunidade Espírita Cristã (CEC). O Dr. Adolfo Bezerra de Menezes é o patrono da CEC, cujo nome foi inspirado ao irmão Joaquim Alves,2 conhecido pela alcunha Jô, que veio em abril de 1974 a Moçambique pelas mãos do Dr. Alexandre Sech para ministrar o primeiro Curso Básico de Doutrina Espírita e o Curso de Orientação e Educação Mediúnica (Coem). Devido à conturbada situação política daquela época, os integrantes da CEC partiram de Moçambique. A irmã Ângela assumiu então o trabalho e a manutenção da casa, zelando com dedicação pelo destino desta entidade criada pelos Espíritos. Foram tempos muito difíceis, enfrentados com abnegação e coragem por esta querida irmã para que hoje o Espiritismo tivesse seu espaço respeitado e um assento no Foro das Religiões em Moçambique. A presidente Ângela Dias desencarnou em abril de 1999, deixando-nos, no exemplo de suas ações, o valor do serviço para o Espírito e o amor dedicado à divulgação do Espiritismo. Mesmo da Espiritualidade mantém-se ativa, apoiando-nos sempre que possível na continuidade dos trabalhos da Casa, na missão de dignificar a mensagem do Consolador. Após sua partida física, a tarefa passou às mãos da querida irmã Irene Guião, trabalhadora incansável que assumiu com dedicação a árdua responsabilidade de continuar a espalhar e dignificar a Doutrina. A irmã Irene até hoje permanece na seara, procurando manter a vivência das obras e ajudando-nos a melhor desenvolver as atividades da CEC. O primeiro presidente da CEC, Sr. António de Pina Gouveia, reside atualmente em São Paulo.

Reformador: As ideias espíritas são facilmente aceitas no país?

Élide: Nos últimos anos tem havido uma razoável adesão, mas na realidade as ideias espíritas ainda não estão consolidadas. É verdade que a essência da cultura africana é espiritualista, mas sua base tem um forte componente de rituais materialistas. E este tem sido um dos grandes desafios, porque apesar de o “culto aos mortos” fazer parte das sociedades africanas, há muitas dificuldades na consolidação das ideias espíritas na medida em que passam pelo comprometimento e transformação íntimas.
A grande maioria vem à procura de respostas ou de soluções pontuais para seus problemas, muitos por simples curiosidade, mas quase todos sem nenhum compromisso. O crescimento do Movimento Espírita tem sido muito lento, pois há mais frequentadores do que trabalhadores.
Entretanto, precisamos lembrar que, por razões históricas, a liberdade religiosa só se fez sentir nos últimos 25 anos, portanto ainda há muito a fazer.

Reformador: Atualmente, quantos centros estão ligados à Unemo?

Élide:
Somos três centros ligados à Unemo: a Comunhão Espírita Cristã, o Grupo Arco-Íris (GAI) e o Centro Espírita Allan Kardec (Ceak). Devido às dificuldades em conseguir espaço físico para desenvolver nossas atividades, trabalhamos na mesma instalação, que é a casa pertencente à CEC, e nos unimos para comprar também em conjunto.

Reformador: Como ocorrem as atividades principais desses centros?

Élide: No início, houve momentos de grandes dificuldades, como é natural, mas agora temos trabalhado de forma cooperativa e mais coordenada. Estamos a desenvolver uma simbiose onde cada um procura fazer a sua parte nos trabalhos que a Doutrina oferece, os quais, na verdade, se complementam: a CEC dedica-se às reuniões mediúnicas, às reuniões de Evangelho e à campanha assistencial na Oncologia do Hospital Central de Maputo; o GAI dedica-se ao atendimento gratuito pela fitoterapia nas instalações do Centro e em várias comunidades carentes, e a dar cursos de fitoterapia aos irmãos que trabalham nesta assistência; o Ceak dedica-se à realização das reuniões de Evangelho, estudos, palestras, encontros, divulgação, atendimento fraterno e campanhas assistenciais.

Reformador: Há eventos programados?

Élide:
Estamos a planejar ainda para o segundo semestre deste ano: o V Encontro Fraterno sob o tema “Reencarnação e Evolução”. Programado para o final de setembro, serão momentos de troca de experiências e convívio entre os irmãos do Brasil, Angola e Moçambique através de atividades gratuitas, abertas ao público, com a exibição de filmes, realização de palestras, peças teatrais e de práticas assistenciais; a Feira do Livro Espírita e Bazar Beneficente para o dia 24 de novembro, no Jardim das Acácias (Maputo).

Reformador: Qual a expectativa da Unemo com sua união ao CEI, em março passado?

Élide:
Em primeiro lugar, a certeza de que a troca de experiências criará laços que irão fortalecer e qualificar o trabalho que pretendemos desenvolver. As diferentes vivências nos caminhos da seara espírita, com certeza, proporcionarão melhor intercâmbio, e fornecerão subsídios valiosos e muito mais abrangentes para a compreensão de nossas tarefas, principalmente no serviço ao próximo.
Essa união de objetivos, portanto, irá proporcionar uma oportunidade de convivência fraternal e enriquecer a reflexão diferenciada na resolução amorosa das dificuldades que todos enfrentamos.

1N.R.: Nome da capital, hoje Maputo. Informações em: PEREIRA, Nilson. Anuário espírita 1972. Noticiário. Araras (SP): IDE,1972. p. 111 a 119.
2N.R.: Joaquim Alves (1911-1985), o Jô,residiu na então Lourenço Marques durante um período nos anos 1970 e era muito ligado a Chico Xavier. Em cartas a este amigo, relata a situação do país e as ações espíritas (GALVEZ, Nena. Amor & renúncia.Traços de Joaquim Alves. São Paulo: Ed. CEU, 2006. p. 154).

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