ALGUNS MINUTOS
Nos dias que vivemos, é comum se ouvir referências a que ninguém se importa com ninguém.
Não podemos desconsiderar, sim, que existe uma parcela da população que não pensa senão em si mesma. Tudo gira em função de seus próprios interesses.
No entanto, uma parcela maior é a que se mostra detentora de predicados morais, dentre os quais sobressaem a solidariedade e o amor ao próximo.
São pessoas que têm a visão ampliada do mundo. Veem o todo. Não olham somente para frente, mas também para os lados, para o seu entorno, a fim de tomarem conhecimento de quem marcha na mesma fileira.
Foi por isso que, naquela manhã fria e nevoenta, a caminho do escritório, a jovem percebeu algo que os demais transeuntes, envoltos em seus abrigos pesados, a cabeça baixa, nem se deram conta. Passaram indiferentes.
Ela transitava pela calçada. À sua frente, um carrinho desses de catadores de lixo reciclável, ia puxado a passo lento, demorado.
A jovem, com horário para chegar ao trabalho, resolveu ultrapassá-lo. Apressou o passo.
No exato momento em que ficou lado a lado com a condutora, ouviu um longo suspiro, seguido de soluços abafados.
Voltou-se para a direita e viu o semblante da mulher encharcado de lágrimas, que escorriam, livres e soltas.
Era um rosto sofrido, com marcas de queimaduras na face esquerda, olhos avermelhados.
Estacou e perguntou: A senhora está com algum problema?
A mulher, tomada de surpresa, parou e balbuciou: Não...Sim... muitos problemas.
E como se estivesse somente aguardando um ouvido atento, foi despejando a sua dor, como numa cascata:
Eu sei que Deus olha por nós. Também sei que temos que fazer a nossa parte.
Mas, eu não sei mais o que fazer, para onde recorrer. Meu marido está muito doente. Vive sobre uma cadeira de rodas.
Minha filha voltou para casa com quatro crianças pequenas, depois de um casamento fracassado. Nenhuma pensão alimentícia. Nenhuma ajuda.
Moro na periferia. Estou implorando a Deus para que consiga encher logo o carrinho para voltar para casa.
Só eu trabalho para alimentar todas essas bocas. E me sinto cansada.
A jovem ouviu e ouviu, olhos nos olhos da mulher sofredora. Dirigiu-lhe algumas palavras de encorajamento.
Abriu a bolsa. Recolheu todo o dinheiro que tinha: quinze reais, e os entregou à interlocutora.
Desculpe, é tão pouco. É só o que tenho. Peço a Deus que a abençoe e a fortaleça.
Agora, foram lágrimas de alívio, de emoção, de gratidão, que saltaram dos olhos, lavando as faces.
Isso vai para o mercado. – Falou, agradecida.
E cada qual seguiu seu caminho, desejando bênçãos Divinas uma à outra.
* * *
Alguns minutos. Uma conversa amiga. Um coração consolado.
Mais do que os parcos recursos monetários recebidos, o que valeu para aquela mulher foi ter encontrado ouvidos atentos para a catadupa das suas dificuldades, uma pessoa que se importou com sua dor, que a olhou nos olhos, lhe ofereceu alguns minutos do seu tempo.
Uma pessoa atenta, que deteve o passo, que olhou para o lado, que desejou saber o motivo de seus lamentos.
Uma irmã no caminho.
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