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10 de jan. de 2011

ALÉM DA VIDA (FILME) - Clint Eastwood


São mais de 60 filmes como ator, mais de 30 como diretor, premiações que já ultrapassam uma centena, e quase 82 anos de vida. Este é Clint Eastwood, o homem que acertou novamente em seu novo filme, o belíssimo drama “Além da Vida.”

O que há de melhor e mais prazeiroso na obra de Clint como diretor é a sua total, ampla, absoluta e deliciosa falta de pressa em dirigir suas cenas. Nestes tempos de gigantesca ansiedade e enorme superficialidade, onde as pessoas fazem tudo ao mesmo tempo e não se dão conta de nada que estão fazendo, seu cinema surge como um oásis de água doce no meio do deserto, uma pepita de ouro reluzente no meio da lama. Como ator que foi (e é), Clint abre sua câmera em generosos closes e dá ao seu elenco o tempo necessário para a maturação de cada emoção. Em planos extensos e profundos, sem medo da ditadura do corte rápido e da linguagem clipada. Com uma invejável elegância de movimentos e uma utilização minimalista de trilha sonora digna dos grandes mestres que conhecem a importância do silêncio.

Prestes a completar 82 anos (no próximo maio), Clint Eastwood se debruça desta vez sobre o tema da morte. A partir do roteiro de Peter Morgan (também roteirista de “Frost/Nixon”, “A Outra”, “A Rainha” e “O Último Rei da Escócia” entre vários outros sucessos), o filme mostra três histórias de três núcleos de personagens que – pelo menos num primeiro momento – não parecem ter ligações uns com os outros. Sequer geográficas.

A jornalista francesa Marie (Cécile De France) sofre um grande trauma durante suas férias na praia (por favor, não comentem com ninguém que ainda não viu o filme sobre esta cena) e tem dificuldades para retomar seu emprego em Paris. O norte-americano George (Matt Damon) é um vidente que abandona o dinheiro fácil que ganha cobrando pelas suas consultas paranormais para se transformar num simples operário braçal. E o garoto inglês Marcus (o estreante Frankie McLaren) está inconsolável com a perda de um parente extremamente próximo e querido.
Transtornados pela presença e/ou proximidade da morte, Marie, George e Marcus povocam uma ruptura radical em suas vidas para saírem em busca de respostas sobre a única certeza da vida: sua finitude. Melhor não dizer mais nada. Nem ver o péssimo trailer do filme que entrega alguns de seus momentos mais cruciais.

O título não ajuda, o poster também não é dos mais atraentes, o trailer é um desastre mas o filme é ótimo. O melhor a fazer é escolher a melhor poltrona, relaxar, e passar mais de duas horas sem pressa na companhia de um dos maiores cineastas vivos do nosso tempo. Um diretor que ainda sabe, como poucos, como contar uma boa história (ou no caso, três) no escurinho do cinema.

Ah, vale lembrar que um dos produtores de “Além da Vida” é Steven Spielberg.





MAIS UM POUCO SOBRE O FILME

O filme pode sugerir que seu diretor não apenas está obcecado pelo tema da morte, como encontrou a solução para suas dúvidas ao aderir à crença na reencarnação. Nesse sentido, pode até lembrar produções brasileiras em 2010, como Chico Xavier e Nosso lar, que abordam o mesmo assunto. Mas, por se tratar de um diretor realista, as imagens e as situações ganham naturalidade.

Clint não explora aparições, apesar de o enredo, em tese, permitir todo tipo de fantasma. O roteiro original, do inglês Peter Morgan (autor de A rainha e Frost/Nixon), foi encomendado por Steven Spielberg. Mas ele se sobrecarregou de projetos e ofereceu a Clint sete deles. Clint escolheu Além da vida por conter uma trama que transcende a crença nos dogmas do espiritismo. O cineasta não convoca fantasmas diante da câmera nem mesmo manifestações paranormais. As almas se manifestam por meio de um médium: George Lonegan. O personagem é interpretado por Matt Damon com tamanha credibilidade que é capaz de suspender a descrença do espectador mais cínico.

George é um Chico Xavier americano: acusado de esquizofrênico, diz que suas alucinações são miasmas do além-túmulo. Seu poder de conversar com os mortos quando toca nas mãos de uma pessoa o torna famoso no circuito esotérico. Chega a ter consultório e um site, em sua cidade natal, São Francisco. Mas lidar com os mortos, como diz, é uma maldição que o afasta do cotidiano. Para fugir da vocação, emprega-se em uma fábrica. Nesse ambiente mais improvável, ele ainda é procurado por pessoas que querem se comunicar com seus mortos. Se frequenta um curso de culinária, até lá é assombrado pelos espectros alheios. Melanie (Bryce Dallas-Howard), a moça com quem inicia um caso, termina por fugir dele – e dos próprios traumas.

A história se desenrola em outros dois blocos. Na Tailândia, a famosa jornalista de televisão francesa Marie LeLay (Cécile De France) quase morre em um tsunami – na sequência mais espetacular do filme, prova de que o diretor é um mestre na ação e na trucagem hiper-realista. Inconsciente, Marie enxerga vultos, mas ressuscita. A experiência é tão forte que ela se torna obcecada pelo outro mundo. Ao voltar a Paris, sua vida se altera. Abdica da objetividade jornalística, é afastada da televisão e resolve escrever um livro em que denuncia uma suposta conspiração do silêncio contra as evidências da espiritualidade.
divulgação e Jay Maidment

Clint Eastwood (com Lyndsey Marshal, no destaque)
dirigiu a sequência espetacular do tsunami
ao qual Marie (Cécile De France) sobrevive
 
O terceiro bloco, ambientado em Londres, envolve os gêmeos Marcus (Frankie McLaren) e Jason (George McLaren, irmão de Frankie, arregimentado nos subúrbios de Londres pelo diretor) e a mãe viciada em heroína, Jackie (Lyndsey Marshal). Os três moram em uma área miserável da cidade. No instante em que ela tenta se reabilitar, Jason morre atropelado. Jackie é internada e Marcus enviado à adoção. Inconformado, o menino recorre a todos os meios para se comunicar com o irmão e depara com diversos tipos de farsante. Até que encontra, pela internet, o site de George.

De algum modo, Jason, George e Marie vão se cruzar em um inverno londrino. E o encontro vai alterar a vida de cada um. Apesar de tanta fantasmagoria, Além da vida é um Clint Eastwood puro-sangue, com grandes atuações, cenas fortes e sentimentos deliciosamente fora de moda. Não é preciso ter fé em espíritos para admirá-lo.  (A partir da Revista Época. Leia no original - só para assinantes)

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